30 de dezembro de 2011

BAÍA


 
Por um segundo
Tudo parece em seu lugar
Nas águas da baía de Guanabara

Por um segundo
Tudo parece reluzente e calmo
Notas brandindo na boca do silêncio

Barcos homens
O curso indiferente
Das águas me contagia

Por um segundo
A dor parece mais
Leve do que o ar

Manoel Olavo

13 de dezembro de 2011

AS COISAS


As coisas que eu vou dizer
Irão voltar, não importa
Como um antigo querer
De passagem, bate à porta

As coisas ditas por mim
São como espelhos: quebráveis
Esboços antes do fim
Começos intermináveis

As coisas que eu vou dizer
Noves fora o seu lamento
Ajudam-me a percorrer
A metáfora do tempo

As coisas ditas por mim
São altas ilhas remotas
De mares que contravim
Num barco de velas rotas

As coisas que eu vou dizer
Nascem com força tamanha
Que fazem alvorecer
Na violência do drama

As coisas ditas por mim
Sumário de língua morta
Silenciaram enfim
- Palavras rondando a porta

Manoel Olavo

NO AVESSO


         I

No avesso
A voz do
Fosso grita

Sob o
Calcário
Da estrada

O talho
Da lâmina
Sangra

Seu fio
De morte
Branca

Limo
No rastro
Da pedra

Enredo
Do fim
Da revoada


         II


No avesso
O talho
Da lâmina

Sangra
Seu fio
De morte

Branca
A voz do
Fosso grita

Limo
No rastro
Da estrada

Enredo
Sob o
Calcário

Na pedra
O fim
Da revoada


         III


No avesso
Vê-se o
Detalhe


Manoel Olavo

11 de dezembro de 2011

FORMA



Há uma forma aqui
Ela me constrange

Não é fácil vê-la
Entre cores claras

Qualidade rara
Da luz repartida

Marca vertical
Na chuva de orvalho

Sua textura, breve
Água, se acomoda

Uma a uma, em gotas
Sobre a superfície

Não a enlaçarei
Sem que ela deseje

Nem a amarei
Antes que me leve


Manoel Olavo

30 de novembro de 2011

É BOM SENTIR-TE COMIGO

É bom sentir-te comigo novamente;
Partilhar contigo o legado do dia,
A manchete do jornal, o riso, a vida.
É bom estar aqui e saber-te advinda,
Pétala de sal, lençol de água corrente,
Sopro que, escondido, me sussurra baixo;
Ouvir-te falar de mim, às vezes grave,
Às vezes menina; saber porque sonhos
O teu coração navega. Hoje eu sei mais
Do que supunha antes, pois compreendi
Que sou de ti só a legenda e o pedaço;
Que me perdi sem vê-la; que és minha tela,
Minha múltipla missão, minha elegia,
Matéria sem a qual nada sobrevive.
Tua ausência dói. Sem ti, minha poesia
É estio, naufrágio dentro do silêncio.

Manoel Olavo

22 de novembro de 2011

A LINDA MULHER



A linda mulher
Percorre a aleia
Cercada de pedras

Em seu olhar
Ofício de lava
E fastio sensual

A mais bela
Figura viva
Ri-se ao voar

Não me iluda
Ó tela de sombras
É hora de acordar

De buscar aquela
Que dança enquanto
Todos vão sonhar

Sozinha na aldeia
Coberta de árvores
A morte ela vencerá

Nada dirá
Encolhida e nua
Sob a luz gelada

Magia de avistar
E beijar a capa de
Cetim em sua nuca


Manoel Olavo

14 de novembro de 2011

ANTES DE MORRER

Antes de morrer
Rejuvenesça!
Inato, ligeiro
Seja sempre seu
O primeiro sonho
O último grito
O imprevisto fato.
De nós, esperam-se
As maravilhas
Um mar de ilhas
Um norte, um sol
Que não se apaga.
Não esta pálida
Lua amarga.


Manoel Olavo

10 de novembro de 2011

ECLIPSE


As portas fechadas
Afastam a luz do
Quarto do poeta

Que sonha com
Manhãs de prata
Mas é eclipse total

Manoel Olavo

9 de novembro de 2011

MUSA

Ó musa, afinal, chegaste
Não sei se concebida ou espontânea
Mostrando a paixão das coisas nomeadas

Nem boa nem má, trouxeste
A face e os substantivos fartos
Silhueta desigual de aço e arestas

Musa, quando chegaste
Contigo havia muita gente morta
A sintaxe universal dos encantos
Ainda não se dera
E eu, de tão aflito,
Fiz promessas vãs

Hoje pouco te peço
Só quero estar a sós contigo
Tocar-te a pele branda
Sentir amor e frases
Como as concebo

De teu olhar, além
Um novo começo

Manoel Olavo

24 de outubro de 2011

LÍRICA



Sobre o papel
Lançar o eco

De velhas ternuras
E sombras ao redor

Lírica do abismo
Talhada em granito

Viver entre paisagens
Conhecê-las, recolher

O fio de âmbar que
Escorre pela pedra

E é da cor dos olhos
Da primeira namorada

E tem o tom da pele
De outra, já esquecida
                       
Gota da fonte perdida
No rochedo da memória

Manoel Olavo

17 de outubro de 2011

ALQUIMIA

Dia de festa
A alma lá fora
Pendurada

Gente no portão
- Que me dirá
O amor em troca?

Alquimia simples:
Se viver não basta
Valha-me palavra

Manoel Olavo

3 de outubro de 2011

PALAVRA

palavra
posta
no papel
marca a
folha

palavra
fora
de mim
não passo
sem ela

palavra
toca seu
pincel
na carne
morna

palavra
lasca
do real
faca
na goela

palavra
estrada
vicinal
para o
acaso

palavra
dura
carcaça
oculta
chama

palavra
feita pra
vibrar
antes que
pa(e)reça


Manoel Olavo

2 de outubro de 2011

POEMA CONCRETO


Ivo viu a uva

Que lhe parecia

Forma de poesia

Ou de via crúcis


Manoel Olavo

FRESTAS



Eu sou o que brota nas pedras do muro
Apesar de ti e de teus desejos.
Sou o que solapa o mar e rói a carne
E ruge e transforma o ser num cão sem dono.
Eu me chamo ausência, o tempo é meu escravo.

Sou rei de extintos palácios, o guia
Da multidão aflita. O rosto humano
Me parece banal e, indiferente,
Eu sigo o rumo a serviço do não.
O fogo e as cinzas são o meu mistério.

Mas há o alvorecer: o eterno ciclo.
E a vida vem com o seu feitio d´água
(Ei-la que surge, afinal, renascida)
Penetrando o espaço aberto entre as rochas
Trazendo luz e cor onde eram frestas.

Manoel Olavo

27 de setembro de 2011

LOGO VOCÊ

Logo você

Sem nada
Pra contar

Sem grana
Pra gastar

Sem verso
Pra dizer

Logo você

Sem mulher
Pra seduzir

Sem corpo
Pra destruir

Sem alma
Pra perder

Logo você

O último
Dos reis

Ou o primeiro
Dos párias

Num rastro
De lama

Feito besouro
Na bosta

Logo você

Não sabe mais
Do que gosta

Manoel Olavo

18 de setembro de 2011

VOCÊ ESTÁ SOZINHO



Ninguém ignora
A solidão acomodada
A dinamite moral do isolamento

Há dez anos
Eu vivo só
Como um infame
- O que não me incomoda

Amigos tentam consolar:
“Pois é... você está sozinho”.

Namoradas dizem pra eu
Não me esconder
E viver novamente.

Isto é: querem que eu
Me case com elas.

Contudo estou em paz
Com meus livros e a
Sujeira do passado.

A maré do tempo
Se acomoda
Como sempre

E a presença da morte
É a mesma
Esteja eu só
Ou acompanhado.

Manoel Olavo

16 de setembro de 2011

SILÊNCIO


Não há mapa. No entanto, em tudo
Estava a procura de um lar,
A lembrança da primeira casa.

Apolo em seu carro
Queria a vertigem do ser, o céu de asa
Flamejante, o sol, a porta sem aldrava.

Sonhava união mas nada veio.
Luz excessiva na manhã.
Voo cego. Cristal partido.

Ouça-me: se existe um lar
Ele não está nas coisas.
Impossível romper o véu
Que separa os seres.

Não é conceito
Nem condenação:
É apenas silêncio.

Manoel Olavo

14 de setembro de 2011

OUTONO

São caminhos possíveis
Da folha solta no vento

São desfechos possíveis
Da palavra no silêncio

A folha toca a densidade
Da palavra: pluma na boca

Sua nudez, sua falta,
Seu véu de intimidade

Outono perene de quem,
Em silêncio, desaparece

Manoel Olavo

13 de setembro de 2011

PÁSSAROS TELEPÁTICOS

Deixar a casa
Bem arrumada

Levar o carro
Pelo chão dos mortos

Sobre o vão central da ponte
O susto de rever
Pássaros telepáticos
Dizendo segredos

O céu é um
Vórtice partido

Voar no risco cortado
No mar azul do céu

Toda plumagem
É aparente

Há paz entre os viventes
Nos portais e jardins de Osteon

O ser alado
Se desfaz
Na linha
Do horizonte


Manoel Olavo

ESPAÇO

E no meio desse caos, dessa ventania, ainda havia espaço para a ternura e o silêncio de uma solidão desenterrada...

Manoel Olavo

10 de setembro de 2011

UM POEMA BREVE


Um poema breve
Um lema

Uma afronta
À calma da palavra

Tua mão pequena
Puxa a ponta da toalha
E derruba a mesa

Você grita: chega!
- A sobrancelha levantada

Manoel Olavo

4 de setembro de 2011

AMANHECER


Olhei a praça
Quando a luz
Descortinava
Uma manhã
Clara e aturdida

Pude nascer
Junto do vento
Que em tudo
Soprava morno

Vi a paisagem
Que acordava
Viva e sonora

Cães passeando
Com seus donos
Ao raiar do dia

Meu coração
Flagrou a luz
E se sentiu
Em muitos

Estava dentro
E estava fora
Da manhã de sol
Que ali nascia

Manoel Olavo

2 de setembro de 2011

INVENTO PRA VOCÊ



Invento pra você uma ternura
                           [escondida
Feita de poesia e fragmentos

Deixo a ternura derramada
Pra quem desfruta mel e pranto

Pra você, amada, dou-lhe
Água, grão e sonho

Dou-lhe riso e limo
E vermes arejando a terra

Mas com você, amada
Porque seus olhos são fêmeos

A ternura se recolhe
Às conjugações do medo

E, assim inocentes
Nós dois caminhamos

Entre mortos, vivos
E desaparecidos

No cara a cara
De um duplo abismo

Juntando os cacos
E as nossas vidas

Manoel Olavo

POEMA VERMELHO



sangue da fruta vermelha

rubro canto de guerra

lábio coração amora

Carmen carmim boca de cena

dressed to kill rubi hemorragia

paixão falésia Roma extinta

na rubra cor da carne e ira


Manoel Olavo

31 de agosto de 2011

POEMA AZUL



Eu quero um poema azul
Azul matizes do céu
Azul das cores do mar

Azul da íris de alguns
Azul poeira estelar
Azul pincel de Monet

Eu quero um poema azul
Como a tinta na caneta
Que escreve um azul-poema

Existe poesia em mim
Como no primeiro dia:
Azul, azul, azul, azul...?

Serei cantor das antigas?
Serei DJ com bluetooth?
Serei moderno pintor

Do azul que vem de você?

Manoel Olavo

25 de agosto de 2011

HOJE PENSEI EM TI


Hoje pensei em ti
E senti a tua falta

Contigo
A palavra
Goteja sangue

E a dor é o
Mergulho das águas 


Manoel Olavo

POENTE



Deus se escondeu num cenário de vidro
E vi que as coisas de mim se despediam
Pois tudo é mortal, o passado tem a sua hora.

Assim perdi a inocência.
Levo comigo, ao tribunal,
O inferno dos atos repetidos.

Esvaziado e livre de mistérios
Meu olhar finalmente se interroga
Mas, nascituro, pouco vê.

Deus se escondeu de mim
Apesar do esforço dispensado
E o mundo não se transformou

Salvo essa vontade de esquecer,
De renunciar, de explodir na rua,
Dor da minha alma sem sextante.


Manoel Olavo

24 de agosto de 2011

TEMPORAL


Nesse temporal
Teu nome é diagrama.

É um pó de letras
Na inundação.

Eu não vou dizê-lo.
Não quero trazer

Teu nome secreto
De volta entre os escombros.

Mas são partículas
Rimas sílabas fonemas

Cercando o cais destroçado
Num naufrágio de avessos.

A água (se um dia evaporar-se)
Deixará teu nome mineral

Em insolentes camadas;
Finalmente, como pedra.


Manoel Olavo

22 de agosto de 2011

A CADA HORA


A cada hora

Um significado


Em cada dia

O dia anterior


A cada minuto

O mal rebenta


E essa dor

Ausente

No meu

Corpo

Grita


Manoel Olavo

20 de agosto de 2011

VIGÍLIA


Ele caminhava pela estrada

A duras penas.

Bem além, o ponto de chegada,

A cada passo dado,

Mais longe ficava.

(A proximidade afasta

A hora prometida).

A um possível encontro seu,

Entretanto,

Uma íntima esperança florescia.


Manoel Olavo

29 de julho de 2011

CALÇADA

      
      Caminhar pela calçada esburacada de cimento, pedras portuguesas e lembranças, cercado pelo tráfego cada vez mais hostil da grande cidade. Sol a pino. As pessoas parecem sobrar nesse cenário. É preciso lutar por cada centímetro de espaço, contra máquinas mais fortes, contra transeuntes mais rápidos, contra mendigos, vendedores ambulantes, bicicletas em cima da calçada.
       Caminhar num ritmo que lhe é próprio, é pé ante pé, mas é efeito da cidade, da sua ânsia, do fôlego de milhões fluindo-lhe nas veias, e as buzinas e sirenes do seu lado. Na esquina observar que um galho do hibisco deu a volta por cima do muro da casa, e flores vermelhas gotejam na calçada, formando um passadiço rubro, no qual as flores caídas ressecam-se ao sol e se desfazem com a pisada das pessoas. Mas não há tempo para metáforas de flores e cidades, nem para metáforas sobre caminhantes solitários. O mundo anda muito refratário a certo tipo de lirismo.
       Não será estranho, porém, admitir que, a cada passo dado, o mundo ao redor do caminhante se congela em sua tridimensionalidade e uma multidão de fatos vai se dissipando, enquanto outra dimensão paralela surge de seu distraído passo a passo. Assim, cada pensamento, palavra ou gesto do caminhante exprime uma escolha que elimina as demais possibilidades e molda um universo complexo ao seu redor. Agir de determinada maneira é criar um mundo fechado de causas e efeitos. A cada decisão tomada, cada simples escolha de direção, inúmeras realidades paralelas deixarão de existir e outras, inéditas,  nascerão. Há um universo novo em cada movimento, lembrança ou encontro que a vida lhe oferecer. O caminhante funda firmamentos, enquanto pisa em hibiscos. Cabe-lhe assumir essa atividade fundadora. Não é poesia, é uma evidência matemática.

Manoel Olavo

17 de julho de 2011

A LEMBRANÇA DO NOSSO AMOR



A lembrança do nosso amor
É um pássaro dentro
De casa a dar de cara
No vidro da janela

De noite vi o seu olhar
Enquanto você dormia
Mas você pássaro sonhando
Não me reconhecia

De manhã vi
A nuvem branca
Ficar laranja e azul
Num único segundo

Depois cansado quis saber
De você mas não sabia
Das nuvens de pássaros
Nem de gestos largos

Você deve voltar outras
Vezes. Seu voo absorto
Vai traçar um arco sobre
O cristal quebrado

A lembrança do nosso amor
É um pássaro dentro
De casa a dar de cara
No vidro da janela

Manoel Olavo

SONHO


Surreal, subtraída
A mente
Erra

Matéria flébil
Volúpia 
Alada

O sonho conduz
Teu ser na
Brisa

Ao porto além
Do corpo que
Vaga 

Manoel Olavo

16 de julho de 2011

VENERO-TE A FLOR



Quem te incendiou a carnadura?
Quem te fez vergar antes de possuir-te
E te pôs de lado quando de frente vinhas?
Ao teu encontro eu fui diversas vezes
Em noites de gozar veraz e cego

Pois te nomeei
Minha amante inteira
Ao lume dos meus olhos
És diva perfeita
Que a todas suplanta
Não ouse cantar
Alguma outra voz
Que não seja a tua

Sorvo o néctar que tu jorras
E meu dorso ensopa
Venero-te a flor
Enquanto ela se liquefaz
Em minha boca
Minha musa
De carnadura avantajada
De ancas abissais
E olhos sombrios
Armadilha consentida
À qual me entrego

Eu te amo em trajes de fidalgo
Ao sabor de nosso enlevo
E contigo permaneço
Antes que a voragem
Do tempo célere desfaça
A trama do destino
Que foi nossa

Manoel Olavo

15 de julho de 2011

DEIXA SOPRAR



Deixa soprar
O vento da memória

Eco do que passou

Deixa soprar
O vento da memória

Sem se ligar
No seu rumor

A vida prossegue
Fabricando outra

Despedaçada flor

Deixa soprar
O vento da memória

Até que o tempo seque
O sangue que jorrou

Manoel Olavo

EU VI AMOR PASSAR



Eu vi amor passar
Junto à janela baça

Amor de asas
Cujo voo é engano

Eu vi amor voar
Sobre montanhas

Acima de mim
Ele vigiava

O amor fugiu? Partiu
Sem mais aquela?

Não importa: vieste
E isto me basta

Se eu tento esquecer
Volto à mesma estrada

Vislumbro teu olhar
Avesso às minhas costas

Até que me encontres
Nas listras do desejo

- Eu vi amor passar
Ou eram as nuvens?

Manoel Olavo

O CÍRCULO VAZIO



I

Que gesto garante
A sobrevivência
Do mito?

Buscar
Entre gente núbil
O contorno (inútil)
Do ente cobiçado?

O círculo vazio
Do amor
Feito ausência?

Ausência
Cujo nome
É medo?

Em tudo
A sede de contato
Em tudo um exílio

Em tudo
O medo de morrer

II

Antes ceder
A vez
Ao belo
         
Conter
Orgulho
Afrontar

A solidão
Que dói
No ventre

A alma
Que se tranca
Na sala
Escancarada

III

De noite
Um grupo
De palavras
Não se rende

Estrada
Régia de
Antigos viajantes

Eu lhes peço calma
Enquanto traço o
Círculo vazio

A forma vazia
Do ente traduzido

A forma oblíqua
Do ente enunciado

A forma fugaz
De algo que
Não
Basta

Manoel Olavo

13 de julho de 2011

E VIERAM TANTOS



E vieram tantos
Fatos que jamais
Sonhara: dormir
Num catre, morrer
Sozinho, captar
As vozes do além,
Amar nebulosas,
Ver um anjo no
Espaldar ou sangue
Na faca. Lembrar
Da face imprudente
Quando não sabia
Nenhuma das coisas
Que já desvendou.
Dentro de você
Era  Prometeu,
Ressonante sombra,
Pedra contra pedra,
Hoje menos pétrea,
Mas ainda farpa
Ao toque de alguém.

Manoel Olavo

A VIDA INTEIRA


                                  “Omnes feriunt. Ultima necat”.


A vida inteira
Cercado pela morte
Ofuscado eu via

Águas águas
Aves mortas
Sinais esparsos

A vida inteira
Cercado pela morte
Eu evitei
Tamanha altura

Amar-te e morrer
O que importa
É poder olhar-te

São anjos?
Legiões?

Não. São pássaros
Batendo as asas
No último suspiro.

Manoel Olavo

12 de julho de 2011

UTI POSSIDETIS


Nós
Seremos mar
Depois das gôndolas

Nadamos por vergéis
Por baías claras marés-cheias

Risco no céu
Mar que rodopia
Dois corcéis na água

Um toque e
Sua pele reluz

Olhar que destila
Incrédulas sereias

Emoção de náufrago
Diante do oceano

Do amor à solta

Nós dois
Presas do mar
Engolfando espumas

O penhasco
Derruba corais
No fundo transparente

Nós
Seremos mar
Depois das gôndolas

Manoel Olavo

AMO EM VOCÊ

Amo em você
Esse desespero
Essa dor mal-disfarçada

O par de olhos fundos e percucientes
A inquietação calada o desejo de abraçar
                                                     [o mundo

Amo em você
Seus leões famintos
O salto sobre o abismo
O gosto de explorar zonas inabitadas
A certeza de não estar na vida a passeio

Amo em você
O riso que vira a realidade pelo avesso
E faz de espelho o que foi enigma

Amo em você
Essa intensidade
A ternura disfarçada
O sonho de voar além das copas

A coragem de ser
Ao mesmo tempo
Arco, alvo, braço e seta

Helena: 
Hei de lutar para lhe reter
Entre feéricas palavras

Mas a beleza que você traz
(Arco do Triunfo) fica intocada

E o verbo inútil se rende
Ante o esforço de dizê-la.

Manoel Olavo

3 de julho de 2011

MUSA ENTRE PAREDES



Esforço de autor
Afinal vencido
Abandona exausto
O teu corpo alhures
E o poema despe-se.

No entanto, voltas.
Vasta e desigual
É tua medida.
A lira incompleta
Noite afora ecoa.

Fascinante enigma
Ainda persiste.
As chamas se elevam.
Som de madressilva
Toca enquanto danças.

Bailarina hipnótica,
Par de olhos rútilos,
Tez mutante, naja
De dedos em riste:
É triste te amar.

Estilete na alma,
Pés sobre o abismo:
Vem de ti o signo
Corrosivo, atroz
De amantes na forca.

Trilhas bifurcadas,
Luz, céu, raio, túmulo,
Primícias constantes,
Ou talvez eu mesmo
Em fêmea tornado.

Esboço de amor,
De morte ou de fuga
Consentida, teu
Seio me oferece
Dor, abismo e cio.

Assim vais, desenho
Vago entre paredes:
Ziguezagueando
Através das pedras
De muros sem fim.

Criatura tênue,
Atravessa sólidos,
Passa por paredes,
Rompe celas que
Fiz mas esqueci.

Em meio aos escombros
Sorris e dos lábios
Leve brisa sopra.
Hoje, desatino.
Amanhã, silêncio.

Leva-me daqui,
Musa decomposta,
Num leito de rio
Vital onde minha
Alma sem ti sofre.

Despudor de ser
Fraco e ter perdido
Os tempos, os dias,
As vidas passadas,
Os amores últimos.

Pois musa te chamas:
A pintura eterna
Recriou teu mundo
E em questão de horas
Ele adormeceu.

Manoel Olavo

VEM UM PÁSSARO NA DETIDA HORA


Se ele veio?

Quis chegar
Na detida hora

Passar além
De um fluxo
De pássaro

Passar além
Da detida hora

Há bocas e bocas de pássaro:
Bocas abertas imensas absurdas
Há noites e noites de pássaro
(a boca escancarada)
Teu leito mais
Eu só

Corre o rio
(remanso ou caudal?)
Transparente belo viscoso
Jorra um curso d água
Que dele sai
E nos ensopa
Vem
           desejo
                      que cintila!
O nexo
(de mim a ti)
Que úmido se fez
Não existe mais

Erosão de vôo
    E queda
      Livre

Pássarorrompante
Debate-se na água
             
Vem um pássaro
Na detida hora
Sobrevoa-nos
E vai-se embora

Há bocas escancaradas
Em teu leito só
Eu mais

Manoel Olavo

2 de julho de 2011

FÁBULA



Enquanto existir a falha
Que se transforme em fábula

Enquanto partir a revoada
Haja rumor nas coisas despertadas

Rumor nas coisas, todas elas
Sussurrando entre fachadas

Transitam matéria e tempo
No golfo repleto de palavras

Gelado mar parte a galope
Por cima dos reflexos de prata

A memória de pé, glória amputada
Desabitada ilha, estreito, vaga

Nas lendas do território
O mesmo sol condena e salva

Enquanto eu morro lentamente
No silêncio da noite soletrada

Fala-me do mar, do sabor da
Frase evocada, dá-me algum ar

Ocupa a palavra reduzida, densa
Face contra face, lata amassando lata

A brasa, a gota, o ritmo da fala
O nome sujo, o pacto sem asa

A palavra advinda, contradita
Talhada à faca até ser nada

Além daqui é o traço que separa
Édipo da Esfinge, ou de Jocasta

25 de junho de 2011

CORPO



Corpo
No horizonte
Liquefeito

Corpo
Carne
A percorrer

Que doença
Secreta
Nos consome?

Ou lavra
Tua máquina
De apodrecer?

Fosse
Outra a razão
E eu te libertava

Morto
Tua raiva ferida
No mar em torno

Corpo
Ferrão
Prendendo à vida

Manoel Olavo

ESPELHO

 
 
Na cidade
No tumulto

O que me falta
É um espelho

Ver, dentro
Dele, o outro

Não este opaco
Olhar de túmulo

Manoel Olavo

24 de junho de 2011

NA CAMA DELA



Na cama dela
O corpo
O amor eterno
O tórrido romance

Na cama dela
O filho
A família
O projeto de vida

Na cama dela
O cansaço
A hora de acordar
A briga de madrugada

Na cama dela
A traição
A vontade de morrer
O último adeus

Na cama dela
O medo coletivo
O papel da mulher
O valor de classe

Na cama dela 
Os atos de amor e morte
As razões do destino
A história e os genes
O peso e a pluma
A forma antecipada
Deus e o diabo
E tudo
O mais
Está
Ali


Manoel Olavo

TEU NOME

Pensava te inventar
Mas estavas pronta

Presença altiva
Na planura desenhada
De quem sempre rainha
Com palavras repentinas
Dissipa a sombra e fere à faca

Pensava te sonhar
Mas estavas viva

Lastro do corpo
Lonjura da alma
Nudez do rosto

Na alegria de te ver
E de saber-te cerca
Teu nome, amada, eu peço
Entre lençóis, cansaços,
Recomeços...

Manoel Olavo

23 de junho de 2011

CADA MINUTO PASSA

Cada minuto passa
E eu fico mais antigo.
O corpo é um território
Que carrego comigo.

Cada minuto passa
E, indene, a carne fria
Assume a consistência
Do que nem pele tinha.

Cada minuto passa
E a vida cobre a alma
Com camadas. O ar é
Duro, cortado à faca.

Cada minuto passa
E sou o que não nomeio.
Cada minuto vai
À frente do primeiro.

Cada minuto passa
E sinto mas não vejo.
Cada minuto segue
À frente do desejo.

Não há ciência sem
A descida ao inferno.
Nem há eterno sem
O istmo do corpo.

Cada minuto passa e
É pele, ausência, istmo,
Corpo, desejo à faca,
Alma em busca de ritmo.

Manoel Olavo

O QUE DE MELHOR


O que de melhor podes me dar
É este sol sobre o oceano
A cidade em maio, recolhida 
A luz da tarde se alçando rosa

É esse teu silêncio
O fim das imprecisões
O equilíbrio dos sentidos
A vida de volta ao seu
Pouso e prumo

O que melhor fazes
É suportar meus sonhos
Decifrá-los, torná-los ateus,
Decompostos:
Eco que sai de mim
E se parte na
Parede em cacos

O que de melhor me dás
É a volta esvaziada ao
Mesmo; o fim da inocência
O mar, o vento, a pálida
Luz de um renovado espanto

Manoel Olavo

22 de junho de 2011

DEPOIS DE TI

Pousa a tua mão
No meu rosto
Porque te amo
E sei voar contigo.

A fonte, amor,
És tu. O leito,
Eu bebo em
Meio à travessia.

Toma-me:
Beijo teu corpo
Coberto de
Palavras.

Nus, os signos
Amarrados em
Teu ventre.

Antes de ti
Eu era partido
Ao meio.

Depois de ti
Sou um mar
De saliva e versos.


Manoel Olavo

FRESTAS


Eu sou o que brota nas pedras do muro
Apesar de ti e de teus desejos.
Eu sou o que cala o dia antes da hora.
Sou o que solapa o mar e corrói a carne
E ruge e transforma o ser num cão sem dono.
Eu me chamo ausência, o tempo é meu escravo.

Sou rei de extintos palácios, o guia
Da multidão aflita. O rosto humano
Me parece banal e, indiferente,
Eu sigo o rumo a serviço do não.
Fogo e cinzas são o meu mistério.

Mas há o alvorecer: o eterno ciclo.
E a vida vem com o seu feitio d´água
(Ei-la que surge, afinal, renascida)
Penetrando o espaço aberto entre as rochas
Trazendo luz e cor aonde eram frestas.


Manoel Olavo

21 de junho de 2011

NÃO SÓ NO CÉU



Calado, o homem
Conta moedas
Para poder jantar.

A dona de casa
Imagina uma curra
Enquanto lava meias.

A criança com medo
Chora, esconde-se
Embaixo da mesa.

O velho com câncer
Espera pacientemente
A dose de morfina.

Tudo é ilusão.
No Ártico, esquimós
Sonham com areia.

Deveria haver
Um outro sol
Dentro das coisas.

Manoel Olavo

25 de maio de 2011

SABIA

Só sei que
De longe
Eu te adivinhava

Sabia de ti
Menina solitária sobre a pedra
Sempre pensando

Podia te ver
Onde a dor te enclausurava
E ninguém mais sabia

Sabia do pomar, da varanda
Das flores no teu recato

Sabia de um jardim silencioso
Que não se pode conhecer

Mesmo assim, sabia
E te seguia à espreita
Com o que existe em mim
Com meu amor, minha falta

Vidente, eu te sabia
Quando enxergava
A primeira estrela em cima do pinhais
Aldebarã, na luz do meio-dia

- Somente tu e o teu segredo

Manoel Olavo

15 de maio de 2011

EU TE ESPERAVA

Eu te esperei na noite fria
Quanto tudo era oculto
E o mundo começava
- Amor, eu te esperava.

Nas águas do fundo
Da vida que nasce
Nos ventres e pomos
- Amor, eu te esperava.

Num dossel de luz
Nos pedaços
Das primeiras palavras
- Amor, eu te esperava.

Nas revoadas no céu
Depois do breu e da
Tormenta dissipada
- Amor, eu te esperava.

Nas explosões de lava
Nos corais azuis, nas algas
No teto da antiga sesmaria
- Amor, eu te esperava.

No estuário comum
Fonte do mesmo rio
Alma da mesma água
- Amor, eu te esperava.

Manoel Olavo

22 de abril de 2011

SONETO DA PAIXÃO PERMANENTE


Por mais que a distância pareça grande
E a passagem do tempo nos divida
A paixão que guardo, a ti prometida,
Ao invés de reduzir, cresce e se expande.

Se eu pude compreender desde o começo
Que o laço a nos unir nos antecede,
Como ocultar-te meu querer, a sede
De encontrar a quem amo e não esqueço?

Assim como as águas, as estações,
O dia, a noite, o vai-e-vem dos astros,
Tudo tem sua duração. A semente

Gera ciclos sobre ciclos. As paixões
Nascem, vivem, morrem, sem deixar rastros.
Nossa paixão, no entanto, é permanente.

Manoel Olavo

VENTO ELÍSIO

Lento e minucioso meu sopro caminha Por seu corpo nu pele branca à mostra. Eu, Elísio, vento soprando na fresta Inspeciono cada ponto oculto...