25 de junho de 2011

CORPO



Corpo
No horizonte
Liquefeito

Corpo
Carne
A percorrer

Que doença
Secreta
Nos consome?

Ou lavra
Tua máquina
De apodrecer?

Fosse
Outra a razão
E eu te libertava

Morto
Tua raiva ferida
No mar em torno

Corpo
Ferrão
Prendendo à vida

Manoel Olavo

ESPELHO

 
 
Na cidade
No tumulto

O que me falta
É um espelho

Ver, dentro
Dele, o outro

Não este opaco
Olhar de túmulo

Manoel Olavo

24 de junho de 2011

NA CAMA DELA



Na cama dela
O corpo
O amor eterno
O tórrido romance

Na cama dela
O filho
A família
O projeto de vida

Na cama dela
O cansaço
A hora de acordar
A briga de madrugada

Na cama dela
A traição
A vontade de morrer
O último adeus

Na cama dela
O medo coletivo
O papel da mulher
O valor de classe

Na cama dela 
Os atos de amor e morte
As razões do destino
A história e os genes
O peso e a pluma
A forma antecipada
Deus e o diabo
E tudo
O mais
Está
Ali


Manoel Olavo

TEU NOME

Pensava te inventar
Mas estavas pronta

Presença altiva
Na planura desenhada
De quem sempre rainha
Com palavras repentinas
Dissipa a sombra e fere à faca

Pensava te sonhar
Mas estavas viva

Lastro do corpo
Lonjura da alma
Nudez do rosto

Na alegria de te ver
E de saber-te cerca
Teu nome, amada, eu peço
Entre lençóis, cansaços,
Recomeços...

Manoel Olavo

23 de junho de 2011

CADA MINUTO PASSA

Cada minuto passa
E eu fico mais antigo.
O corpo é um território
Que carrego comigo.

Cada minuto passa
E, indene, a carne fria
Assume a consistência
Do que nem pele tinha.

Cada minuto passa
E a vida cobre a alma
Com camadas. O ar é
Duro, cortado à faca.

Cada minuto passa
E sou o que não nomeio.
Cada minuto vai
À frente do primeiro.

Cada minuto passa
E sinto mas não vejo.
Cada minuto segue
À frente do desejo.

Não há ciência sem
A descida ao inferno.
Nem há eterno sem
O istmo do corpo.

Cada minuto passa e
É pele, ausência, istmo,
Corpo, desejo à faca,
Alma em busca de ritmo.

Manoel Olavo

O QUE DE MELHOR


O que de melhor podes me dar
É este sol sobre o oceano
A cidade em maio, recolhida 
A luz da tarde se alçando rosa

É esse teu silêncio
O fim das imprecisões
O equilíbrio dos sentidos
A vida de volta ao seu
Pouso e prumo

O que melhor fazes
É suportar meus sonhos
Decifrá-los, torná-los ateus,
Decompostos:
Eco que sai de mim
E se parte na
Parede em cacos

O que de melhor me dás
É a volta esvaziada ao
Mesmo; o fim da inocência
O mar, o vento, a pálida
Luz de um renovado espanto

Manoel Olavo

22 de junho de 2011

DEPOIS DE TI

Pousa a tua mão
No meu rosto
Porque te amo
E sei voar contigo.

A fonte, amor,
És tu. O leito,
Eu bebo em
Meio à travessia.

Toma-me:
Beijo teu corpo
Coberto de
Palavras.

Nus, os signos
Amarrados em
Teu ventre.

Antes de ti
Eu era partido
Ao meio.

Depois de ti
Sou um mar
De saliva e versos.


Manoel Olavo

FRESTAS


Eu sou o que brota nas pedras do muro
Apesar de ti e de teus desejos.
Eu sou o que cala o dia antes da hora.
Sou o que solapa o mar e corrói a carne
E ruge e transforma o ser num cão sem dono.
Eu me chamo ausência, o tempo é meu escravo.

Sou rei de extintos palácios, o guia
Da multidão aflita. O rosto humano
Me parece banal e, indiferente,
Eu sigo o rumo a serviço do não.
Fogo e cinzas são o meu mistério.

Mas há o alvorecer: o eterno ciclo.
E a vida vem com o seu feitio d´água
(Ei-la que surge, afinal, renascida)
Penetrando o espaço aberto entre as rochas
Trazendo luz e cor aonde eram frestas.


Manoel Olavo

21 de junho de 2011

NÃO SÓ NO CÉU



Calado, o homem
Conta moedas
Para poder jantar.

A dona de casa
Imagina uma curra
Enquanto lava meias.

A criança com medo
Chora, esconde-se
Embaixo da mesa.

O velho com câncer
Espera pacientemente
A dose de morfina.

Tudo é ilusão.
No Ártico, esquimós
Sonham com areia.

Deveria haver
Um outro sol
Dentro das coisas.

Manoel Olavo

VENTO ELÍSIO

Lento e minucioso meu sopro caminha Por seu corpo nu pele branca à mostra. Eu, Elísio, vento soprando na fresta Inspeciono cada ponto oculto...