11 de dezembro de 2019

LONGA LUA, LIRA BELA


Há belezas
Que pousam
E passam
Se acomodam
Feito gato
Na poltrona
Porém
Sua beleza fica
Há almas
Que voam
E roçam
Como mãos
Que se tocam
Na esquina
Porém
Sua alma brilha
Há você
E sua voz
Longa lua
Lira bela
Eu te ouço
Inquieto e apaixonado
Me surpreendo e espero
Não sei se estou perdido
Ou se afinal fui encontrado
Pelo encanto da sua voz

Manoel Olavo

5 de dezembro de 2019

POENTE



Deus se escondeu num aparato de vidro
E as coisas de mim se despediram
Pois tudo é mortal, o amor passa
E o passado tem a sua hora.

Assim perdi minha inocência.
Ao tribunal, levo comigo
O inferno dos erros repetidos.

Esvaziado e livre de mistérios
Meu olhar finalmente se interroga
Mas, nascituro, pouco vê.

Deus se escondeu de mim
Apesar do esforço dispensado
E o mundo não se transformou.

Exceto essa vontade de esquecer,
De desistir, de explodir na rua,
Dor da minha alma sem rumo
                                 [nem sextante.

Manoel Olavo

2 de dezembro de 2019

CASA



Quando finalmente meu olho descansar
Após deixar a luz do dia
Eu voltarei aos fatos

Meu coração, ao examinar com calma,
Compreenderá o enigma
E nele fará a minha casa

Vão vibrar
A verde cor da árvore
O relevo da casca
O céu o som a terra
O mato - (...)

Volante, um
Pássaro irá
Mostrar
Onde fica
Minha casa

Bem perto
De mim
(Talvez dentro):
A casa que
Tanto procurei

Manoel Olavo

VIGÍLIA

Ele caminhava pela estrada
A duras penas.
Longe, o ponto de chegada
Estava além de onde se avista.
Em sua direção vinham
Putas, ladrões, contrabandistas,
Viúvas abissais de costas nuas,
Guardas-civis, coachs, youtubers, heróis.
Conforme caminhava, e ia,
Mais longe
Aquilo se tornava.
Não, não é bastante caminhar.
É preciso mais.
É preciso pedir ajuda para que não chova,
É preciso ter alguma companhia,
É preciso sorrir para os passantes,
Ficar de pé, rabiscar uma pedra,
Enfrentar mudanças climáticas.
É preciso partir, partir sempre.
Fazer laços e rompê-los.
É preciso se bastar quando se está exausto,
Derrotado, farto de tudo,
Quando o sol calcina
E não resta um único consolo.
Ele caminhava pela estrada
A duras penas.
A cada passo dado,
O ponto de chegada
Mais longe ficava.
(A proximidade afasta
A hora prometida).
No entanto,
A um possível encontro seu,
Uma tímida esperança florescia.

Manoel Olavo

26 de novembro de 2019

ESPELHO IMERSO EM SUAS ÁGUAS



               I

Assalto do primeiro
Amor, primeiro gosto
De beijo, primeiro gesto
De estremecimento

               II

Minha alma tensa
Consegue ver o sol
Grudado na retina
Clara flor entrelaçada

               III

Por que querer-te assim
Com tal precisão de toques
E sentidos? Por que sair
Do mundo das palavras

               IV

E percorrer medidas
Saliências saltos sibilas
Onde tudo é corpo e
Nada é conhecimento?

                V

Contigo desperto e alcanço
Palavras que a língua não fala
Aliança de iguais e de contrários
Um espelho imerso em suas águas

Manoel Olavo

24 de novembro de 2019

INFINITO

Te olho. Há tanto tempo
Sei que te espero

Mas não digo. A palavra
Dita pesa e desencanta

Antes o gesto de amor
Antes teu sorriso, tua sombra

Antes teus olhos negros
Na beleza espessa do teu rosto

Antes tuas formas perfeitas
Antes a voz que emanas do ventre e verso

Abraça-me. Podes afinal aconchegar-te
(Displicente, pacífica, nua) no meu abraço

O infinito escorrendo de tua fonte,
Serenamente, teu olhar perdido nas estrelas


Manoel Olavo

METAMORFOSE



A brisa vem, nos envolve e é bem-vinda.
Eu nem fingi saber de onde tu vinhas
De que perdido jardim tinhas chegado
O vento te conduz e eu vi que eram muitas
As sementes de mulher, os dons da graça.
Os olhos todos germinando enquanto te abres
Um prisma te desfaz entre os elementos
E, de mulher que eras, viraste brisa, sumo, água, lira,
Flor de Adônis, fonte germinal e tudo foste um dia
Tudo, mulher, já foste um dia, assim oculta
Tão colossal que ainda me conforta e ama
Pois como vou viver sem tua brisa úmida?
Sem a tua metamorfose?

Manoel Olavo

EU NUNCA PENSEI



Eu nunca pensei que pudesse ser tão longe

Eu nunca pensei que durasse tão pouco

Eu nunca pensei que pudesse me esquecer

Eu nunca pensei que fosse se acabar

Eu nunca pensei que fizesse tanta falta

Eu nunca pensei que seria desse jeito

Eu nunca pensei que tivesse o bastante

Eu nunca pensei que doesse tanto

Eu nunca pensei que fosse passar

Eu nunca pensei que era tarde demais

Manoel Olavo

21 de outubro de 2019

POEMA SINGULAR



De onde vem essa
Mulher tão singular?

Perdidamente seus mapas
Gostaria de encontrar
Saber de onde vem
Saber pra onde vai
Essa mulher tão singular.

Há tanto tempo te espero
Há tanto tempo quero
Tua esplêndida avidez
Teu riso, teu desejo por tudo.

O amor nasce assim
De dentro
Sedento
Tem a raiz cravada
Na inocência
No espelho da solidão.

Pensando em ti
Eu me incendeio
Singrando nas estrelas
Nos cabelos negros
No sorriso ensolarado.

Em teu nome
Tão singular
Em algum lugar de nossas vidas
Um derradeiro e grande amor se anuncia.

Manoel Olavo

14 de outubro de 2019

LUSITANA CARTOGRAFIA



Assim, enquanto o mar oscila sob a luz cintilante, permanecemos a postos para promover o embate das palavras.

É necessário contar, de modo renovado, histórias que os fundadores nos legaram com seu engenho e arte, erguendo os muros da nossa aldeia.

Nada se perdeu, nem quando os bárbaros nos acossaram. Tudo está aqui. É clara a nossa lusitana cartografia.

Contudo, podemos expandir os limites do reino criado pelos que vieram antes de nós (homens que nos deixaram somente o que sabiam nomear), e então singrar em liberdade por mares nunca dantes navegados.

Manoel Olavo

6 de outubro de 2019

TRÊS DA MANHA


Em casa
Três da manhã
Toda noite uma batalha
Uma parte nunca está
A outra chega adiantada

Manoel Olavo



ASTRONOMIA


Ele não podia dourar o céu, nem remover estrelas incrustadas, pois de nada ele sabia, ele, o aventureiro, o nômade domesticado, hoje em repouso após façanhas insuspeitadas, ele que, de mãos para cima, finalmente se rendia, ele quase um resumo de tudo, um momento novo, um arremate na biografia, uma vista aérea sobre o passado de bufão, de clochard, buscando algo que o fizesse olhar ao redor, cuidar da semeadura, erguer muralhas em torno do arraial recém-fundado. Passados alguns séculos, tudo isto desaparecerá, deixará de existir, o Rio de Janeiro será uma pálida memória, será só poeira e ar e lembranças desbotadas, mas ainda se ouvirá um grito vindo da varanda, um animal uivando no deserto, na areia em que os dois de tarde caminhavam, quando ela lhe disse que o cometa passaria, mas não seria visível a olho nu, e certamente não seria espetacular como se anunciava, aquilo era uma mentira, uma tapeação da mídia, e ele sorriu por dentro, irritado, de onde vinha tanta pretensão, quem ela pensava ser, o Ronaldo Rogério de Freitas Mourão...? Pensando bem, ela só era uma linda menina, e ele a amava justamente por isto. Muito pouca era a sua astronomia. Talvez ele devesse, se tivesse um pingo de juízo, ter se casado com ela.Mas ele nunca soube decidir as coisas na hora certa...

Manoel Olavo

31 de agosto de 2019

ALCMENE

ALCMENE

Poucos podem saber
O que nos reserva
O fim deste labirinto:
Um alento, um missal de
Gestos, uma estrela suspensa?
Ou uma impressão de céus,
Um par de mãos crispadas,
Atropelos, azuis em fuga,
Soldados, teorias em círculos,
Uma explosão que vem de longe?
Move-se a terra, ergue-se
O mar, uma nova
Matéria deposita-se
No fundo de crateras.
Ruiu, ruiu, assim todos se calam.
Acima do chão, há cacos de tempo,
Vasos quebrados e Alcmene,
Seu olho de prata sombrio, rútilo, pesado,
Em cores desiguais de medo
E severidade. Da fortaleza, nada resta.
O olho que outrora revelava
Hoje vem nos dizer que não pode.
Esse olho, agora, crê. Profere penas.
Mata o mar que antes prometia,
Fere o chão que antes fecundava.
A medida de cada um de nós
Para sempre está capturada.
A branca virgem Vênus foi esfaqueada.
Vasto céu de noite e conjecturas
Sobre flamejante esfera, vento,
Ameaça, a lei da servidão em gotas,
Tudo em asas se avoluma e morre.
A fábula se antecipa, pressente seu fim.
Mas não!, devemos todos cantar,
Fingir felicidade, desfrutar
Dum passatempo enquanto
O mar inunda a nossa sala.
Será esse maremoto a nossa última poesia?

Manoel Olavo

3 de agosto de 2019

AMO EM VOCÊ


Amo em você
Seu desespero
Sua dor mal-disfarçada

O par de olhos fundos e inquisidores
A inquietação calada a vontade de abraçar
                                                       [o mundo

Amo em você
Seus leões famintos
O salto sobre o abismo
O gosto de explorar zonas inabitadas

Amo em você
O riso que vira a realidade pelo avesso
E faz de espelho o que foi enigma

Amo em você
Sua intensidade
A ternura calada
O sonho de voar além das copas

A coragem de ser
Ao mesmo tempo
Alvo e seta

Por isso
Hei de lutar para lhe reter
Em feéricas palavras

Mas a beleza que você traz
(Arco do Triunfo) fica intocada

E o verbo inútil se rende
Ante o esforço de dizê-la.

Manoel Olavo

PALAVRA

PALAVRA

palavra
posta
no papel
marca a
folha

palavra
lasca
do real
faca
na goela

palavra
estrada
vicinal
pelo
acaso

palavra
carcaça
dura
oculta
chama

palavra
feita pra
vibrar
antes que
pareça

Manoel Olavo

19 de junho de 2019

QUANDO CHEGAR


Passarei. Passará o que vier:
O dia, a noite, o amor sonhado,
Nada vai deter o corte da navalha
Nada vai fluir no leito deserto
Do regato, na paisagem que mata
Memórias, brotando metáforas.
Mas, porque nasci entre homens, hei
De dar espaço, arauto, à palavra
Encantada, ao corpo, à frase
Atada a vida – lavrador de versos
Quando chegar a hora e eu for nada

Manoel Olavo

28 de maio de 2019

CRISTAL PARTIDO



Ninguém lhe preparou para o inapreensível  silêncio que se seguiu após o delicado arranjo de pedras de cristal se despedaçar num estalo só, num ruído ruim,  espalhando lâminas e cacos gelados para todo lado, num extenso raio em torno do quarto, ao redor da casa,  ferindo transeuntes e casais que passeavam despreocupadamente. Ninguém lhe preparou para o estardalhaço do cristal partido, para o gemido mudo, para o despenhadeiro que se abriria. Ninguém lhe falou das consequências mórbidas de tamanho estalo para a geografia local. Nas horas seguintes,  nenhum soluço de dor, nenhuma palavra de solidariedade foi pronunciada. As migalhas de amor nas lascas de cristal, atônitas e descompassadas, flutuaram como borboletas morrendo aos poucos no vácuo interestelar. Há de se ter um nome para esta sangria mineral fria e desatada. Talvez a ciência transforme tudo num fenômeno geológico de cálculo previsível e razoável. Mas é preciso cuidado. Muito cuidado para não se ferir. Indiferente a tudo, o silêncio reverbera os cacos do caos e celebra seu apogeu.  Enquanto ela se despe, enquanto os sonhos vagam, enquanto os planos surgem e a trilha sonora se eleva, o silêncio espreita, e celebra a vida e suas novas vítimas.


Manoel Olavo

TRAMA


Em cada folha

Em cada teia

Eu teço a trama

É  sempre o mesmo tema:

Será que ela me ama?

Por fim goteja

O talho que

Todo dia

Sangra



Manoel Olavo

23 de abril de 2019

A FIGUEIRA


Meu apartamento fica de frente para uma pracinha. Da janela da sala, vê-se uma velha e centenária figueira, de múltiplos troncos retorcidos e altura surpreendente. A mais importante das árvores da praça Radial Sul. Crianças e cães frequentam o lugar todo dia, passeando ao redor da árvore. Pássaros vem comer os frutos que ela oferece com abundância. Todo dia de manhã, ao sair para o trabalho, eu dirijo, sem pensar, um olhar de ternura pra ela. Uma espécie de reverência muda. Hoje de madrugada, a figueira caiu. Toda ela, não. Caiu boa parte da copa, alguns troncos racharam. Fez um barulhão. Fios elétricos foram derrubados. Pedaços do tronco partido espalharam-se na areia grossa da praça. A figueira virou risco urbano. Tudo o que acontece nesta megalópole sugere caos. O povo assustado se aglomera em torno de acontecimentos como esse. Veio gente ver a figueira partida. Há um medo desproporcional, sem cara, que corrói e envenena as pessoas. Medo do vizinho, Medo da própria sombra. Medo de árvore.
            De manhã, acordei com o som das motosserras. Ainda estão zunindo. Da janela, vejo uma enorme máquina esquisita, uma altíssima girafa mecânica pintada de branco, erguendo uma cesta dentro da qual um homem de uniforme zune uma motosserra incrivelmente barulhenta. Estão retalhando a figueira. Cortando o resto que não caiu. Pedaços dela são espalhados pela praça. Há um murmúrio frenético, um vai-e-vem incessante. Parece que os operários extraem um inexplicável prazer de sua atividade homicida e antinatural. E o povo curioso se reúne pra ver a carnificina.
          Pensei em não escrever uma linha hoje. Tudo o que eu fizer corre o risco de parecer um poema de amor. Não gosto dessa banalidade lírica em mim. Não gosto quando enfraqueço. Há um céu azul e enorme sobre minha cabeça, há o barulho irritante da motosserra, há a morte da figueira, há uma dor no coração que parece estar rasgando ao meio, como uma folha de papel. Vem um vento quente, levanta poeira pela sala, embala as coisas modorrentas, me faz pensar que o tempo passa, que tudo acaba e não tem jeito mesmo, tudo passa, tudo morre, como a figueira. Que eu preciso sair desta cidade, encontrar alguma paz, uma harmonia maior dentro de mim, embora reconheça que estou mais inteiro do que costumava ser. Mais inteiro, não sei dizer. Pelo menos estou mais calmo. Parece tolo e banal, e de fato é. Mas é muito no meu caso.
          Aguentar, não me consumir, é um desafio diário para mim. Como Sísifo subindo e descendo a montanha, empurrando aquela imensa pedra. Mas a dor é tanta quando volta, dá o desespero do vazio, do desencontro, do sem sentido, de tudo o que se perdeu, do vento que eleva e borrifa rajadas de ilusão e autoengano nas circunvoluções  da minha cabeça, e vem a vontade de ser criança,  vem a vontade de amar como saída para tanta falta, para tanto descaminho, um jeito irreal e infantil de pensar que algo pode ser inteiro, que tamanha solidão pode ser aliviada... 
       Mas já vi o bastante para saber que a imaginação é traiçoeira, frustra, mente, faz doer ainda mais, que as promessas se desfazem, ou sequer existem, que o leito do rio está vazio, que nada detém a marcha do tempo e da morte, que encontro e desunião é a ordem natural das coisas. Tanta coisa que não está mais aqui comigo, e deveria, e a ausência nos separa, e o tempo mata, enquanto eu fico entrecortado na janela pela luz através da qual vejo a figueira sangrando, silenciosamente a figueira sangra e se despede...
     Cumpre a meus olhos que deveriam ser maduros achar que não. Que há uma ordem natural e compassiva nas coisas. E pedir calma a esta vida diversa que brota em mim, me desfalece e dói fundo no meu coração...

Manoel Olavo


VENTO ELÍSIO

Lento e minucioso meu sopro caminha Por seu corpo nu pele branca à mostra. Eu, Elísio, vento soprando na fresta Inspeciono cada ponto oculto...