31 de agosto de 2019

ALCMENE

ALCMENE

Poucos podem saber
O que nos reserva
O fim deste labirinto:
Um alento, um missal de
Gestos, uma estrela suspensa?
Ou uma impressão de céus,
Um par de mãos crispadas,
Atropelos, azuis em fuga,
Soldados, teorias em círculos,
Uma explosão que vem de longe?
Move-se a terra, ergue-se
O mar, uma nova
Matéria deposita-se
No fundo de crateras.
Ruiu, ruiu, assim todos se calam.
Acima do chão, há cacos de tempo,
Vasos quebrados e Alcmene,
Seu olho de prata sombrio, rútilo, pesado,
Em cores desiguais de medo
E severidade. Da fortaleza, nada resta.
O olho que outrora revelava
Hoje vem nos dizer que não pode.
Esse olho, agora, crê. Profere penas.
Mata o mar que antes prometia,
Fere o chão que antes fecundava.
A medida de cada um de nós
Para sempre está capturada.
A branca virgem Vênus foi esfaqueada.
Vasto céu de noite e conjecturas
Sobre flamejante esfera, vento,
Ameaça, a lei da servidão em gotas,
Tudo em asas se avoluma e morre.
A fábula se antecipa, pressente seu fim.
Mas não!, devemos todos cantar,
Fingir felicidade, desfrutar
Dum passatempo enquanto
O mar inunda a nossa sala.
Será esse maremoto a nossa última poesia?

Manoel Olavo

3 de agosto de 2019

AMO EM VOCÊ


Amo em você
Seu desespero
Sua dor mal-disfarçada

O par de olhos fundos e inquisidores
A inquietação calada a vontade de abraçar
                                                       [o mundo

Amo em você
Seus leões famintos
O salto sobre o abismo
O gosto de explorar zonas inabitadas

Amo em você
O riso que vira a realidade pelo avesso
E faz de espelho o que foi enigma

Amo em você
Sua intensidade
A ternura calada
O sonho de voar além das copas

A coragem de ser
Ao mesmo tempo
Alvo e seta

Por isso
Hei de lutar para lhe reter
Em feéricas palavras

Mas a beleza que você traz
(Arco do Triunfo) fica intocada

E o verbo inútil se rende
Ante o esforço de dizê-la.

Manoel Olavo

PALAVRA

PALAVRA

palavra
posta
no papel
marca a
folha

palavra
lasca
do real
faca
na goela

palavra
estrada
vicinal
pelo
acaso

palavra
carcaça
dura
oculta
chama

palavra
feita pra
vibrar
antes que
pareça

Manoel Olavo

VENTO ELÍSIO

Lento e minucioso meu sopro caminha Por seu corpo nu pele branca à mostra. Eu, Elísio, vento soprando na fresta Inspeciono cada ponto oculto...