14 de janeiro de 2014

NÓS, OS QUE VIEMOS ANTES



Ainda as estrelas não estavam à venda
Não eram tantos os gadgets disponíveis
Não havia tanta sofreguidão

A vida não chegava pela internet

A destruição de um país
O salário de fome
A perda de direitos
O imperialismo
O processo cruel de acumulação de capital
Pareciam imorais

Acreditávamos numa aurora
De justiça e igualdade

Ninguém que valesse à pena
Contava vantagem
Por ter dinheiro

Havia algo mais essencial
Tínhamos um certo pacto
Uma ânsia por verdade
E valores coletivos

Antes de tudo
Era preciso sonhar

Era preciso saber
De Pixinguinha e
Vinicius de Moraes

Era preciso beber
Até o raiar do dia

Era preciso ouvir
Chico Buarque
Saber um verso
Do Neruda de cor

Era preciso amar
A mística da
Revolução cubana

Era risível alguém
Querer se destacar
Pelas roupas de griffe

Decerto todos nós
Sabíamos que a
Felicidade não vinha
Do consumo material

Um rapaz confiável
Não pensava ganhar
Seu primeiro milhão
Antes dos trinta anos

Um rapaz confiável
Lia o pasquim
No sol do posto 9

E fumava maconha
Pensando em utópicas
Revoluções

Éramos erradios
Amávamos como quem
Divide o próprio pão

A burrice
E os preconceitos do senso comum
Eram reprováveis

Era melhor se calar
Do que soar estúpido
Ou reacionário

Imperdoável
Era sair da praia
Antes do pôr-do-sol

Imperdoável
Era se recusar
A compreender

Estranhamente
Éramos assim
Nós, os que viemos antes


Manoel Olavo

5 de janeiro de 2014

FALTA

Meu amor acende
E se inflama no seu
Flanco. Aos trancos
E barrancos, conto
O tempo. Crispado
De sóis, me espanto.

É dócil o silêncio
Do amor destruído
Quando adia o lento
Ritmo da morte.
Amor: em seu nome
Tenho a minha falta.

Manoel Olavo

1 de janeiro de 2014

FOTO SÉPIA

 
       I

Bom dia
Ele disse
À gente
Morta
Na foto
Sépia

      II

Era a
Foto do
Tempo
Em que
Não se
Escolhia

     III

Tempo
Em que
Ele ria
Numa
Foto
Sépia

    IV

Bom dia
Ele disse
À vida
Esvaída
Na foto
Sépia

     V

Vida
Que de
Vez em
Quando
Ainda
Doía


Manoel Olavo

VENTO ELÍSIO

Lento e minucioso meu sopro caminha Por seu corpo nu pele branca à mostra. Eu, Elísio, vento soprando na fresta Inspeciono cada ponto oculto...