28 de novembro de 2020

POEIRA E ESFINGES

Por ora fica adiada a primavera 

Fica suspenso o espetáculo 


 Não colherá jamais 

A indestrutível rosa 


 Não suportará tanta 

Tortura e lágrimas 


 Que espera você das coisas 

Se elas desmancham ao toque das mãos? 


 Se elas pendem indiferentes 

E se quebram como vidro? 


É preciso agir de outro jeito 

Pensar uma nova ordem 


A natureza tece tramas desiguais 

E seus olhos veem cores primárias 


 A mão do mal pousa do seu lado 

Mas você nem ao menos percebe 


 Como um ser tão imperfeitamente formado 

Deseja flutuar por nuvens à deriva? 


A vida aqui desembarca 

Sua dor entre coortes 


A paz é o caminho que aplaca 

Sua febre sem remorso 


 Seu mapa de ruínas 

Seu juízo torto de erros cometidos 


E pra você, que só vê 

Poeira e esfinges 


 Qualquer instante de luz 

Será inútil e indecifrável 


 Lúcifer disfarça 

Ser o preferido de Deus 


 Manoel Olavo

21 de novembro de 2020

MUDAS DE ROMÃ

 Como quem planta mudas de romã

No terreno para isto destinado

Hei de ficar, exato e coerente,


Rente ao silêncio, à espera de você

 


Como quem planta mudas de romã


Cultivo o verso pacientemente


(Isto, que me revela e me esconde


E me leva para junto de você)


 

Manoel Olavo

NÃO SE SUICIDE


I

Espere, não quero

Que você se suicide


É preciso estar

Entre os viventes


Talvez fosse melhor

Ficar em casa                                                                                          


Longe do laço 

Mortal dos afetos


Expandindo

O seu silêncio


Parece pouco, eu sei

(A eternidade que consola)


Um flanco aberto

Na cadeia de contrários


Lá, outra vez,

Vai brotar a angústia 


II


O amor vem

Em meadas


Convoca e,

Depois, esmaga


Talvez viva de

Histórias desfeitas


III


Pouco a pouco

Voltará ao mundo


Sublunar, coberto

De escombros


Pouco a pouco

Voltará ao mundo


Feito para resistir

Ou ficar à margem


Questão de tempo

E de vocação caseira


IV


Há uma fome

          Em mim

E ela prenuncia


Outra forma:

O fora da lei


A fagulha no

Raso do rio


O gozo antes

Do último grito


O vazio antes

De qualquer origem


V


Espere, não se suicide

Faz sol em seu poema


Manoel Olavo

VENTO ELÍSIO

Lento e minucioso meu sopro caminha Por seu corpo nu pele branca à mostra. Eu, Elísio, vento soprando na fresta Inspeciono cada ponto oculto...