21 de dezembro de 2010
QUANDO CHEGAR A HORA
Passarei. Passará o que vier:
O dia, a face, o amor sonhado, o filho
Nada vai deter o corte da navalha
Nada vai fluir no leito deserto
Do regato, na paisagem que mata
Memórias, brotando metáforas.
Mas, porque nasci entre homens, hei
De dar espaço, arauto, à palavra
Encantada, ao corpo novo, à ode
Atada a vida – lavrador de versos
Quando chegar a hora e eu for nada
Manoel Olavo
19 de dezembro de 2010
NO PAÍS DA ELEGÂNCIA PERDIDA
Tudo bem
Existe a miséria, a violência
O sonho de transformação
[perdido
Mas o pior de tudo
É essa vulgaridade
Manoel Olavo
17 de dezembro de 2010
SÃO SEUS OLHOS
São seus olhos: você me vê atrás das aparências
Entende meus sonhos, meus silêncios
Minha dor calada, meu fingir-que-eu-posso
Quero de você essa virtude rara
De me fazer maior do que eu sou
De me levar além do que mereço
Por isso te amo e ajo como se não houvesse
O mundo à nossa volta; e só vejo você
Seu olhar, meu guia, estrela polar, Órion
Seu corpo de marfim, toque de calor
Que me incandesce. Em suas mãos, em sua
Pele clara, eu voo entrecortado de gaivotas
Viajo na maré de luz, na revoada.
Me sinto como um rei num madrigal
De carícias e posso ser feliz porque te amo.
Manoel Olavo
Entende meus sonhos, meus silêncios
Minha dor calada, meu fingir-que-eu-posso
Quero de você essa virtude rara
De me fazer maior do que eu sou
De me levar além do que mereço
Por isso te amo e ajo como se não houvesse
O mundo à nossa volta; e só vejo você
Seu olhar, meu guia, estrela polar, Órion
Seu corpo de marfim, toque de calor
Que me incandesce. Em suas mãos, em sua
Pele clara, eu voo entrecortado de gaivotas
Viajo na maré de luz, na revoada.
Me sinto como um rei num madrigal
De carícias e posso ser feliz porque te amo.
Manoel Olavo
16 de dezembro de 2010
ANDARILHO
Prende os meus pés à terra
Andarilho
À cata do que não vê
Adiante
O sol poente
O preço da modernidade
E o peso das palavras
Com que tento me salvar
Manoel Olavo
14 de dezembro de 2010
METAMORFOSE
A brisa vem, nos envolve e é bem-vinda
Eu nem fingi saber de onde tu vinhas
De que perdido jardim tinhas chegado
O vento te conduz e eu vi que eram muitas
As sementes de mulher, os dons da graça
Os olhos todos germinando enquanto te abres
Um prisma te desfaz por entre os elementos
E, de mulher que eras, viraste brisa, sumo, água, lira
Flor de Adônis, fonte germinal e tudo foste um dia
Tudo, mulher, já foste um dia, assim oculta
Tão colossal que ainda me conforta e ama
Pois como vou viver sem essa brisa úmida?
Sem a tua metamorfose?
Manoel Olavo
13 de dezembro de 2010
NÃO ERAM AS PALAVRAS
Com você
Eu estava inteiro
Mesmo a sós.
Algo seu
Me tocava
E não eram palavras.
Mas fico sem você
Sem o caminho
Que me pertencia.
Não há mistério
Em estar sozinho.
Reluz a fração
Que ama a vida
Nada me dói se
Amor fatiga as lágrimas.
Mas a alma
Atingida por você
Jamais será a mesma.
Manoel Olavo
Eu estava inteiro
Mesmo a sós.
Algo seu
Me tocava
E não eram palavras.
Mas fico sem você
Sem o caminho
Que me pertencia.
Não há mistério
Em estar sozinho.
Reluz a fração
Que ama a vida
Nada me dói se
Amor fatiga as lágrimas.
Mas a alma
Atingida por você
Jamais será a mesma.
Manoel Olavo
VENTO
Como um vento
A roçar de leve
Ouço teu nome
Me dizer assombros
Como um sinal
Um súbito raiar
De claro-escuro
O espanto de
Se ver lá fora
Que é de manhã
Estive demais
Em tudo, saltei
No coração das coisas
Agora é silêncio
Outono de amor
E espelhos quebrados
O resto é luz, fendas
Cansaço de viver
E uma imensa
Obscuridade
Branca
Manoel Olavo
9 de dezembro de 2010
EU NÃO SOU, HELENA, UM LEGÍTIMO PASTOR
Eu não sou, Helena, um legítimo pastor
De tanger ovelhas e enfrentar tempestades.
É teu esse pastoreio e a beleza serena
De dares relva a um rebanho nas encostas.
Eu cá vivo, Helena, numa cidade imensa
E fiz minha Arcádia com sonhos e palavras.
Porém sei que és real e tens o dom das musas.
A queda no abismo. O coro da vida. A fúria.
Pastora, és sangue derramado sobre a flor.
Eu faço minha parte, te amando em silêncio.
Manoel Olavo
5 de dezembro de 2010
FONTE
Da fonte comum que banha nossos corpos
E almas; e esfrega-os, afaga-os a sós;
Une restos de luz a cores renascidas.
Oh celebrado sentimento de sentir-se amado!
Da destruição, nós estamos fartos.
Sabemos bem que gemidos sussurrados
Não bastam para vencê-la.
Restou porém uma pedra e uma árvore
E com elas fizeste um universo inteiro.
Restou porém uma vigília atenta
E a ânsia de nascer entre os destroços.
Tu e eu sofremos tanto, braços dados
Com o vazio, vendo partir quem não podia.
Tu e eu rondamos a face do terror,
Densidade negra da vida desprezada,
Na hora de chumbo em que nada soa.
(Mas celebrar a perda pode ser retê-la)
Começar de novo, sempre e à própria sorte,
A jornada em que o fragor não é vencido.
Poder sorrir da vida que é martírio e enlevo.
Em seu dossel dormir, quedar-se aflito
Pedir alívio pra dor, novos amores,
Imprevistos desejos, acenos de madrugada.
Estranho é pedir amor empunhando letras!
Estranho é querer gritar e guardar no peito.
Estranho é chegar quase morto ao fim do dia.
De onde, afinal, jorra da fonte o nascedouro?
Não estará entre lençóis macios o breve
Gesto de amor que um dia me negaste?
Manoel Olavo
4 de dezembro de 2010
UMA CANÇÃO DE AMOR
Eu sei que entre nós dois existe gente à beça.
Velhos casos de amor, encontros adiados.
Sonhos de salvação, medos, expectativas.
Desejos comuns se arrastando pelas valas.
E valores diferentes! Sim, nós dois os temos.
Somos produtos sociais de tempos de crise.
Filhos de gente não recomendável, seres fronteiriços.
O ódio e a ilusão são o alimento farto de nossas vidas,
Da dor de existir e querer gozar em dobro.
Pois haverá choro e ranger de dentes.
Nossa língua falará sem dizer nada,
Sem se mostrar de fato.
Um arqueiro cairá morto sobre a casa.
Os deuses se cobrirão de ouro, com luvas de pelica.
Nós dois seremos despedaçados.
Há uma avenida de corações partidos entre nós
E muita gente feliz vivendo junta.
Há bem mais do que isso, mas a verborragia romântica
Às vezes cansa. E não é lícito comparar paixões,
Odores, climas, mucosas.
Não é lícito forjar mentalidades.
Tantas noites eu saí por aí,
Se você soubesse, e mendiguei afagos.
Tantas noites eu fui doido, feroz, autoindulgente.
Agora, não, eu canto de madrugada.
E o meu lamento soa no terreiro
Enquanto não brilham as luzes da Broadway.
Manoel Olavo
2 de dezembro de 2010
EDITO
Por ordem dum
Nobre caduceu
Senhor de terras
E de astros
Fica estipulada
A quantia
Destinada
À libertação
Da sua alma
Atormentada.
Aos herdeiros,
Legítimos ou
Admitidos,
Nada. Que
Vivam como
Puderem.
Manoel Olavo
1 de dezembro de 2010
ALCMENE
Poucos poderiam saber
O que nos reserva
O fim deste labirinto:
Um alento, um missal de
Gestos, uma estrela suspensa?
Ou uma impressão de céus,
Um par de mãos crispadas,
Atropelos, azuis em fuga,
Animais, letras, espumas,
Soldados, filosofia em círculos,
Numa súbita explosão
Que vem de longe?
Move-se a terra, ergue-se
O mar, uma nova
Substância deposita-se
No fundo das crateras.
Ruiu, ruiu, assim todos se calam.
Acima do chão, há cacos de tempo,
Vasos quebrados e Alcmene,
Seu olho de prata, vivo, parado
Em grumos desiguais de cor
E severidade. Da fortaleza, nada.
O olho que outrora revelou
Vem nos dizer que não podia.
Esse olho, agora, lê.
Mata o mar que antes prometia,
Fere o chão que antes fecundava.
A medida de cada um
Para sempre capturada.
Vasto céu de noite e medo
Sobre rutilante esfera, vento,
Ameaça, a lei da servidão em gotas,
Tudo em asas se avoluma e vive.
A fábula se antecipa, pressente seu fim,
Mas não!, devemos todos cantar,
Fingir felicidade, desfrutar
Do passatempo enquanto
O mar inunda a nossa sala.
Será esse maremoto nossa última poesia?
Manoel Olavo
O que nos reserva
O fim deste labirinto:
Um alento, um missal de
Gestos, uma estrela suspensa?
Ou uma impressão de céus,
Um par de mãos crispadas,
Atropelos, azuis em fuga,
Animais, letras, espumas,
Soldados, filosofia em círculos,
Numa súbita explosão
Que vem de longe?
Move-se a terra, ergue-se
O mar, uma nova
Substância deposita-se
No fundo das crateras.
Ruiu, ruiu, assim todos se calam.
Acima do chão, há cacos de tempo,
Vasos quebrados e Alcmene,
Seu olho de prata, vivo, parado
Em grumos desiguais de cor
E severidade. Da fortaleza, nada.
O olho que outrora revelou
Vem nos dizer que não podia.
Esse olho, agora, lê.
Mata o mar que antes prometia,
Fere o chão que antes fecundava.
A medida de cada um
Para sempre capturada.
Vasto céu de noite e medo
Sobre rutilante esfera, vento,
Ameaça, a lei da servidão em gotas,
Tudo em asas se avoluma e vive.
A fábula se antecipa, pressente seu fim,
Mas não!, devemos todos cantar,
Fingir felicidade, desfrutar
Do passatempo enquanto
O mar inunda a nossa sala.
Será esse maremoto nossa última poesia?
Manoel Olavo
TORRES DA MEMÓRIA
Não sei de onde eles vieram. Apenas sei que chegaram, e eram muitos. Ocuparam pacientemente todas as ruas, todas as casas, todas as almas, a cidade parou de circular em paz. Nenhuma fresta ficou livre. Nada arejava, nada respirava entre os interstícios.
Era da natureza deles agir assim, preenchendo todos os vazios, obstruindo a luz. Não deu tempo de gritar, ninguém se insurgiu. Todos se calaram. Eles vieram, displicentes, entraram nos espaços, achataram reentrâncias, nivelaram tudo e o vazio se desfez.
Sinto falta do vazio. Também sinto saudades do silêncio. Do que não é, nem está ainda. Parece que tudo quer brilhar, tudo quer sair da sombra. Tudo precisa estar pronto, corrigido, provado, há uma agitação confusa nisso tudo, e eles querem que seja assim. Mas nem tudo pode ser assim, tanto. Eu lhes garanto. Por isso, deu no que deu: não há mais vazio.
Eu vou morar no vazio. Nos meus vazios. Decidi me recolher para sempre. Vou me isolar em meu pequeno apartamento, um quarto, a cama, uma saleta mínima, banheiro, cozinha. Tudo precário e mal cuidado. Móveis antigos, poucos, madeira escura, o teto tão alto que não dá pra alcançar. Vou viver do que me falta.
Não saio mais à luz do dia. Nem de noite. Não volto à cidade. Dá pra pedir tudo pelo telefone. Pagar pelo computador. Vou fechar portas e janelas. Ficarei aqui, tentando refazer o meu caminho, tudo o que eu já vi. Tentando sentir o que me forma. Tenho todo o tempo do mundo pra isso. Vou me lembrar de cada momento, de cada encontro, de cada pessoa, de cada palavra dita ou ouvida, de cada acontecimento, de cada verdade morta e renascida.
Vou recolher em folhas de papel almaço, milhares delas, minhas lembranças perdidas. Pacientemente, vou escrever cada uma delas a mão. Depois, vou reunir as lembranças em blocos, e amarrar cada bloco com uma fita colorida. Com esses blocos vou erguer torres de memórias dentro de casa. Ainda vou decidir mais adiante, mas cada fita terá uma cor especial, cada época diferente do meu passado vai ter uma cor que a identifique.
Aqui devo ficar em silêncio, escrevendo, lembrando, coligindo dias e anos, seguindo o ritmo de um tempo só meu, alheio às coisas, alheio à ansiosa solicitude da vida. Acima de tudo, estarei livre deles. Livre do seu insuportável preenchimento. Voltarei a ser, depois que eles vieram...
Dormirei, acordarei, tomarei banho, farei comida e sonharei feliz, entre torres dessa memória reerguida, organizadas por cor e por cronologia, volumes métricos contendo relatos de minha existência. Parece pouco, eu sei, mas, pelo menos, vou estar livre deles. Não sei se me salvo. Mas, por um tempo, não me contamino.
Manoel Olavo
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