Ele não podia dourar o céu, nem remover estrelas incrustadas, pois de nada ele sabia, ele, o aventureiro, o nômade domesticado, hoje em repouso após façanhas insuspeitadas, ele que, de mãos para cima, finalmente se rendia, ele quase um resumo de tudo, um momento novo, um arremate na biografia, uma vista aérea sobre o passado de bufão, de clochard, buscando algo que o fizesse olhar ao redor, cuidar da semeadura, erguer muralhas em torno do arraial recém-fundado. Passados alguns séculos, tudo isto desaparecerá, deixará de existir, será só poeira e ar e lembranças desbotadas, mas ainda se ouvirá um grito vindo da varanda, um animal uivando no deserto, na areia em que os dois de tarde caminhavam, quando ela lhe disse que o cometa passaria, mas não seria visível a olho nu, e certamente não seria espetacular como se anunciava, aquilo era uma mentira, uma tapeação da mídia, e ele sorriu por dentro, irritado, de onde vinha tanta pretensão, quem ela pensava ser, o Ronaldo Rogério de Freitas Mourão...? Pensando bem, ela só era uma linda menina, e ele a amava justamente por isto. Muito pouca era sua astronomia. Talvez ele devesse, se tivesse um pingo de juízo, se casar com ela...
Manoel Olavo
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