Seus olhos, lentamente, revolviam o cenário da rua. Viam árvores, vitrines, calçadas sujas, prédios baixos, prédios maiores com fachada de acrílico, um mar de guarda-chuvas e gente afobada. As luzes dos letreiros piscavam. Caía uma chuva fina, contínua e grudenta. A névoa desbotada tornava sombrio um ambiente que normalmente brilharia sob luzes tropicais.
O trânsito na rua se arrastava lento, ao contrário da calçada, onde a multidão causava uma frenética movimentação. Seus olhos, fixados na cena, pouco podiam fazer. Apenas lhes cabia olhar o mundo fervilhando à sua frente. Mães levando crianças pela mão. Casais abraçados. Mulheres com sacolas de compras. Mendigos. Sonâmbulos. Homens de terno. Um mímico fazendo um número na esquina, pintado com sei lá qual poeira branca, ante a indiferença apressada dos passantes.
Seus olhos, condenados a ver, faziam-no seguir pensando. Talvez ele fizesse parte dessa cena, como figurante. Talvez fosse tarde demais. O som de carros e ônibus passando, os passos chapinhando na camada de água sobre a calçada, levavam a outra constatação: ele não pertencia àquele lugar. Nunca fizera parte dele. Viera parar ali por engano. Como um peso. Um erro de cálculo.
Estando ele assim à margem do lugar, descolado do murmúrio e do pensamento daquela gente, somente lhe restava vagar entre pedaços de sonhos derretidos, entre amores inconclusos, abandonados na porta dos prédios. Entre gritos ouvidos de madrugada, quando não sabemos se dormimos ou estamos acordados. Entre tiros vindos da esquina. Ente bandeiras, multidões imensas, design arrojado, janelas fechadas, poeira e sombras.
Seus olhos ainda tentam resistir. Imaginam respostas. Bóiam divididos entre o tempo e a espera. Buscam encontrar o coração das coisas, alguma densidade, antes que tudo vire alimento para os vermes. Seus olhos, que não são dali, observam, inspecionam. Seguem sem paz pela rua úmida, onde vêem os restos de uma civilização à venda.
Manoel Olavo
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