27 de novembro de 2010

TARDE DEMAIS

I

Tarde demais
Eu lhe disse:
Não te amo
Não te quero mais!

Vou partir em meio à multidão
desconsolada
Na estreita e vaga luz que me constrange os órgãos

Eu pedirei reforços
Queimarei meus pés em betume e versos brancos
O prédio
O mar azul
Seu sorriso nunca antes adiado

Fatiarei as nuvens
Fritarei em óleo
Sua carne tenra

Convidarei velhos amigos
O olho estreito a rua lotada
A multidão à nossa volta
Gente revirando os restos

A face noturna do real
Sempre pedindo mais


II


Ainda penso em você
No calor desta calçada antiga

O dia passa
Vem o ocaso do desejo
Traz mais uma vez
Memórias sem notícia

A noite vela
O corpo dela tão inocentemente
Um vidro fumê na alma
Os segredos
Em momentânea suspensão

Ah eu poderia ver
Como se fosse
A primeira vez
O que me importa

Poderia ver
Em lâminas
O acontecido
A hora impossível
O eclipse lunar

Tão logo o sinal
De novo se fechasse
A multidão
Se detivesse

Tão logo a lua
Com cores indistintas
Acelerasse a melodia
A trilha fugaz aonde caminho

Tão logo despertasse
A besta-fera
Que há em nós


III


Vestígios:
Agora tudo deu errado
Agora
Inês é morta

E a manhã segue como um féretro

Eu me calo
À beira da velha calçada

Tento achar
a solução do enigma
a resposta

Tarde demais
Ela me deixa

O verbo encarnado
A face sem contorno
Assim como veio
Parte

Silêncio comum
De retas paralelas

IV

Entreaberto o peito
Restam as lágrimas
E outros fluidos corporais

Súbita estiagem
Na alma em chamas

Breve será reconstrução

V

Liberto das coisas
De sua constante antevisão
Desço ao fundo de mim
E me lembro

Da medida avessa e crua
Porém minha

Do pintor das ruas
Do eleito dos ares
Do bravo lutador

Um romance cheio de alegorias

Desço ao fundo de mim
E me contemplo
Me revejo largo
desfile

Há pele suor corpo pelos
Escotilhas que se fecham

Há uma medida avessa
e crua
Porém minha

Nascida de turbulentas fundações
Matéria agridoce
Delírio verbal
Agonia

Sei disso como sei dos
Passos de uma pequena teodicéia
Que faz um novo acordo
E segue à beira do infinito


Manoel Olavo

2 comentários:

  1. "Desço ao fundo de mim e me contemplo" "sei disso como sei dos passos de uma pequena teodicéia" e tantos outros versos maravilhosos! "queimarei meus pés em betume e versos brancos" que metáforas maravilhosas! abraços de fã

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