20 de julho de 2010

ORFEU



Cansado de dormir e de acordar
Pensando-te, meu jugo e aspereza
Palpar a superfície da ferida
Colada entre a garganta e o sentimento
Criaste para mim a incerteza
Nos seios de marfim da escultura
Ornada em mil recônditos negrumes
Num verso similar ao que não trouxe
Um novo céu, um mar de fogo, a rosa
Que verso há de cantar o que perdemos?
Não pude te tocar, amor, não pude
Não pude ser nem pássaro nem pluma
Não pude ser nem sândalo nem chuva
Por que sopras assim, ó brisa ambígua?
Acostumada estás a fortaleza
A refletir a sós entre os pinheiros
A combater mastins sobre as escarpas
A ler no corredor no fim do dia
Difusas folhas brancas que tracejam
Escritas formas vagas de desejo
E modos de não-ser somente minha
Tu és embriaguez sobre meu dorso
Vinhedo em estação de sol e sombra
Cintila em mim a alma desdobrada
Um anjo há de pairar sobre a calçada
Saudade é despertar vendo-te morta
Se não fosse perder a protegida
Se não guardasse Orfeu a antiga forma
Perdíamos de vez a ave e a lira
Sonhar, mais que viver - eis o que somos

Manoel Olavo

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.

VENTO ELÍSIO

Lento e minucioso meu sopro caminha Por seu corpo nu pele branca à mostra. Eu, Elísio, vento soprando na fresta Inspeciono cada ponto oculto...