Enfim pôde brotar a água limpa
Da fonte comum que rega nossos corpos
E almas, e afaga-os, e esfrega-os
E liga restos de luz a cores renascidas.
Oh celebrado sentimento de saber-se amado!
Da destruição, nós dois, estamos fartos.
Sabemos bem que obscuros gemidos
Não são suficientes para esquecê-la.
Restou porém uma pedra e uma árvore
E com elas fizeste um universo inteiro.
Restou porém uma vigília constante
E a ânsia de emergir dentre os destroços.
Tu e eu tanto sofremos, braços dados
Com o vazio, vendo partir quem não devia.
Tu e eu rondamos a face do terror
A densidade negra da vida desprezada
Na hora de chumbo em que mais nada ecoa.
(Mas celebrar a perda pode ser retê-la...)
Começar de novo, e sempre, à própria sorte
A jornada em que o fragor nunca é derrotado.
Aprender a rir da vida que é martírio e enlevo.
E, em seu dossel, poder quedar-se aflito
Atrás de alívio pra dor, de novos amores
Imprevistos desejos e acenos de madrugada.
Estranho é pedir amor empunhando letras!
Estranho é querer gritar e guardar no peito.
Estranho é chegar quase morto ao fim do dia.
De onde, afinal, jorra desta fonte o nascedouro?
Não estará entre lençóis macios o breve
Gesto de amor que um dia me negaste?
Manoel Olavo
3 de janeiro de 2010
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