8 de outubro de 2021

HOUVE AMOR

 Houve amor, ela não quis

Sou eu que admito a derrota

Amar é isso, a mais alta resignação

A um dia como este, segue-se a noite


Me fale de amor

Refém do vazio

Retrato sedento,

Antevéspera duma execução


Virá um crepúsculo sanguíneo 

Cobrindo tudo

Depois, a escuridão

É só o que sabemos


Vida, vida, eu te quero inteira 

Teu lugar é aqui, não nas alturas

Ouve o rumor dos presságios

Buscando amor na cena de outra vida


Manoel Olavo

22 de setembro de 2021

AMOR DA TUA MANEIRA



A vontade de te ver é tanta

Que, a cada palavra trocada,

Eu penso que te descubro.


Que nada. Teu ar, brisa rainha,

Sempre sopra em outra direção

(Chama que acende teu mistério).


Prisioneiro sou de teu pensar,

De teu riso, teu olhar de lado.

No entanto, sou livre para voar.


Tu não emprestas tua beleza, folha

Proibida. Nada teu se oferece como

Pássaro óbvio que se possa capturar.


Sigo pegadas finas, enigmas de neve e sal,

Palavras cálidas, ácidas, de arrepio. A um só

Tempo, és todas e és única. Lava de vulcão.


Teu passo queima se me aproximo.

Então me deito na grama e espero.

Colho tuas flores. Por ti me despetalo.


Serenamente encantado, aguardo

A intensidade do teu beijo e o mar

De água clara do teu corpo nu.


Sinto-me feliz à tua espera, ouvindo

Com calma o que revela teu silêncio.

Depois de tudo te amarei como se,


De tanto esperar, já tivesse chegado

Há muito tempo. Corpo e alma de

Aprendiz, quero o amor da tua maneira.


Manoel Olavo

17 de setembro de 2021

INVERNO



Inverno

Na dureza das palavras


Inverno

No breviário das sombras


Inverno

No equilíbrio das somas


Inverno 

Lendo os próprios pensamentos


Inverno 

De silêncio e comedimento 


A morte

No mergulho tátil das águas 


Sem eu

Ser desfeito menos um


A morte

Finalmente estar sozinho


Na noite

Fria de solidão vibrando


Manoel Olavo

VIGÍLIA




Ele caminha pela estrada.

Longe, o ponto de chegada

Fica além do que se avista.

Em sua direção vem

Putas, contrabandistas,

Fantasmas, viúvas abissais de costas nuas,

Guardas-civis, coachs, youtubers, heróis de araque.

Conforme caminha, e segue,

Mais longe

Aquilo fica.

Não, não basta caminhar.

É preciso mais.

É preciso torcer para que não chova,

É preciso ter alguma companhia,

É preciso sorrir para os passantes,

Ficar de pé, rabiscar numa pedra,

Enfrentar terrores, tremores, tempestades. 

É preciso partir, partir sempre.

Fazer laços e depois rompê-los.

É preciso se bastar quando se está cansado,

Derrotado, farto de tudo,

Quando o sol queima

E não há consolo.

É preciso cuidar de si,

Sem deixar os outros.

Ele caminha pela estrada

A duras penas.

A cada passo dado,

O ponto de chegada

Mais longe fica.

(A proximidade afasta

A hora prometida).

No entanto,

A um possível encontro seu,

Uma tímida esperança floresce.


Manoel Olavo

15 de setembro de 2021

NÃO

 



Não.

Não me diga que irá passar

E tudo voltará ao seu lugar.


Tem sido justamente este

O problema do meu país:

As coisas continuarem em seu lugar.


Os criminosos não são julgados

Os mentirosos não são desmascarados

Os miseráveis não são saciados de sua fome

De pão e conhecimento. 


Continuamos funcionando

Como uma enorme arapuca

De desigualdade, destruição e privilégio.


Não.

Não me faça acreditar

Que somos o país do entendimento 

Porque o chão está encharcado 

Do sangue de gerações passadas.


Nossos pacificadores foram genocidas.

Nossos desbravadores foram assassinos

De povos e de culturas, escravizadores

E traficantes de negros d'África.


A nossa elite ainda tem a mesma empáfia 

Do sinhô que, de noite, sorrateiramente, 

Ia até a senzala para estuprar a negrinha recém-comprada.


Não. 

Não me fale de honestidade,  de corrupção. 

Estas palavras tem sido desvirtuadas 

Para alimentar o sentimento antipovo e a despolitização da classe média 

(Que se acha branca, honrada e superior).


Ela que, como os capitães do mato de antigamente,

Sonha algum dia tomar café na varanda do casarão do Coronel.


Não. 

Não me fale mais de acordos e concessões.

O país está cansado. 

O país está destruído.

Uma praga tenebrosa

Se apoderou de nós

Em nome de Deus, Pátria e Família

E devastou florestas

Queimou animais 

Matou 600 mil pessoas

Destruiu a ciência, a universidade,  a cultura, 

Deixou milhões de pessoas sem trabalho e sem ter o que comer

E encheu de ódio a alma ressentida 

De milhões de brasileiros. 


Não. 

Há um limite para tudo

E ele foi atingido

No dia em que escolheram

Um deputado miliciano 

Para Presidente da República.


Alguém que dedicou seu voto

No golpe parlamentar de 2016

A Carlos Alberto Brilhante Ustra,

Chefe do DOI-CODI paulista,

Talvez o mais sádico torturador 

Da ditadura militar. 


No dia de seu voto infame,

Este homem não foi punido,

Muitos até o admiraram, 

Para que tudo continuasse em seu lugar.


O golpe se consumou

E depois ele foi eleito presidente da República 

Com o voto de pessoas que achavam

Que ele era honesto

Que no tempo da ditadura havia

Ordem e segurança

E que, finalmente, 

Tudo voltaria ao seu lugar.


Não. 

Não há mais tempo para transigir.

Não é mais possível perdoar.

Não é mais possível esquecer.

Que a rapina deixe de ser a regra

E a miséria da maioria deixe de ser

Uma condição natural. 


Decididamente 

É preciso que se quebrem as correntes 

Para que tudo saia de lugar.


E, do esgoto imundo da conciliação, 

Da expiação de um falso mito assassino, 

Surja afinal uma Nação. 


Manoel Olavo

11 de maio de 2021

O AMOR É QUEDA



Durante muito tempo pensei que o amor era preenchimento do vazio. Era busca de complementariedade.

O amor, se verdadeiro, seria um encontro de equivalências, de franjas harmônicas. Uma tranquila e previsível correlação de corpo e alma num par amoroso.

O amor, pensava, era o reverso do espelho de Narciso.

Hoje vejo que não.

Eu estava errado.

O amor não é preenchimento, nem encaixe.

O amor é queda e dissolução.

O amor é queda no abismo. Uma queda imprevista, que desorienta e atordoa. Nela, a palavra amorosa silencia.

Amor é aquilo que puxa o tapete sob nossos pés e nos lança na indecisão da neblina.

Amor é que faz desmoronar certezas, as reduz a pó. É o que nos toma e arremessa, como tempestade, como erupção de lava.

O amor é um lugar ao qual somos levados em silêncio, e aceitamos esse caminho, pois não é possível compreender, nem esboçar qualquer resistência. Apenas seguimos em frente.

Amor é o que desmonta. É o que faz em pedaços e, ao mesmo tempo, ampara novas certezas. É o que permite brilhar novas evidências e ver o que era invisível aos olhos. Aquilo que estava oculto pela ideia distorcida de um amor que não era queda, incêndio, despedaçamento, mas mera convenção.

O amor, quando de fato se apresenta, é inegável, e dispensa as palavras amorosas. Sua presença é tátil, corpórea, sensível, embora improvável.

O amor é dissolução. É atravessar um território selvagem sem mapa, e depois dessa travessia, nunca mais ser o mesmo.

Foi o que finalmente aprendi. O amor é queda.

Não impõe luta, nem condições. Reluz, cintila, e tudo se cala.

O amor é fruto do mais profundo silêncio. 


Manoel Olavo

10 de abril de 2021

ATE MESMO PARA ENLOUQUECER


E pensar que tudo o que vivi até agora, tanto sonho, 

Vai acabar num murmúrio, num pé-de-vento.


E pensar que talvez nem mesmo essas coisas tenham

Existido, sejam somente a amostra de uma pequena


Tempestade cerebral, de emoções desalinhadas

À procura de um sentido em ideias preconcebidas.


E pensar que talvez nem haja você, nem haja Eu

(Esta palavra que cria tantas ilusões e falsas certezas).


Quem é senhor dentro do próprio castelo?

A quem obedecemos, a quem nos reportamos?


E por que a vida nos parece, ao mesmo tempo, 

Igual e desigual, etérea e material, real e imaginária?


Um dia tentei me equilibrar com um pé de cada lado:

Com um pé na dimensão do sonho, outro na realidade.


Foi quando me despedacei de modo irrecorrível,

Dei de cara contra o muro. Até hoje junto pedaços.


Foi quando compreendi que o barco não empurra o mar,

É o contrário. Foi quando compreendi que é preciso


Aconchego, um pouco de serenidade, alguma fonte farta 

De frescor, até mesmo para enlouquecer e ficar à margem.


Manoel Olavo

29 de março de 2021

É ALGO MAIS

 

  

Por que gosto tanto de gostar de você?

É o beijo que me dissolve em sua boca?

É a precisão do gozo, o toque da pele no arrepio?

É o desejo que confunde e dilacera?

É o prazer de implacáveis penetrações?

É tudo isso, mas é algo mais

É a sensação de eternidade a cada instante

É o sentimento de que, por muito tempo, andei sozinho entre pessoas incompreensiveis

Numa floresta de coisas irreais

Mas hoje encontrei alguém da mesma espécie 

(Alguém real)

Uma alma irmã

Que, gentil e furiosa,

Finalmente chegou.


Manoel Olavo

27 de março de 2021

CAMINHO DA MEMÓRIA


 


Percorrer

Passo a passo

A trama do

Vivido

É falso

 

Talvez

Eu junte

Uns seixos

Umas folhas de cajueiro

Pegadas, falas interrompidas

 

Talvez

Haja calor

Sangue, mato, rio

A faca que atravessou

O coração

 

Talvez

Haja muitas

Emoções sem cara

O teto da velha casa

A mãe para sempre morta

 

A cadeira de balanço

As cores débeis

Os livros empoeirados

O que eu disse pra você

(ou achei ter dito)

 

Talvez

Seja tudo isso

O resultado da ausência

De cronologia, da falta

De sentido

 

É no

Caminho

Da memória

Que faço a confusão

Entre real e imaginário

 

À palavra

Cabe a tarefa

Impossível de

Organizar-me

Tanto caos

 

Manoel Olavo

25 de março de 2021

TEOREMA OCULTO


O poeta procura 

Por algum sinal 


Acaso

Vem do céu

Uma resposta?


O corpo é meu

E a alma retorcida


A criação

Uma paródia submissa


Do limite do gozo

À herança da criatura


Fica a distinção

Entre nada

E coisa nenhuma


Manoel Olavo

29 de janeiro de 2021

POEMA DE AMOR SOLTO NO ESPAÇO


Esta mistura de força e fragilidade,

Que lhe faz única e impenetrável,

Requer cuidados extraordinários

Ao lidar contigo. É o fascínio da

Ave pela serpente. Seu rosto sabe

Que um só toque pode matar.

Cada encontro aumenta o risco

De alguém ferir-se no torneio.

Eu e você: vertigem do impacto.

Poema de amor solto no espaço.


Manoel Olavo

POR TI


Por ti cruzei portas de cristal

Juntei o tempo no instante

Por ti fiz ritos ancestrais

Dividi as águas

Nossa carne

O mesmo mapa


Por ti tudo canta

Suave som

De passagem

E de abandono

Vida dádiva

Raiz


Por ti há noite em nós

Nós feitos dela

Eu, único em ti,

Caio a teus pés

E digo: sou o punhal

Sou teu deus capturado


Manoel Olavo

2 de janeiro de 2021

NEM ISSO EU CONTEI


As coisas podem estar mais próximas. Mas, se ficam perto demais, ferem. Proximidade demais machuca. 

Eu tenho a hora da caverna. A hora do morto. Preciso estar em silêncio, a sós, no quarto, num recolhimento protegido. 

 O esforço para aguentar o alarido das coisas, a brutalidade das pessoas, é tanto, que preciso de um tempo para refazer a casca. Pode ser longo. Na maioria das vezes é inútil. 

 Eu sempre sangrei e me desfiz em meio às coisas. Sempre penei no jogo social. Desde que consigo me lembrar, era atravessado pela opulência excessiva delas. 

 É difícil falar sobre este incômodo. Parece haver um pacto entre as pessoas para ignorar isso. Mas eu não assinei. 

 Há 10 anos, parei de tentar. Juntei os cacos, fechei o comércio, vários pelotões tinham sido dizimados, e fiquei ali, sozinho, entre a intenção de ser e a derrocada. Um exército que desiste da ocupação. Eu me tranquei em casa, de um jeito parecido com para sempre. Tirei o fone do gancho. Mandei a moça avisar que eu tinha saído. 

 Tentei aprender a me proteger voluntariamente. Aparecer o mínimo necessário. Fechar o vidro da janela. Tentar o truque de parecer estar ali, não estando. Rasgar o véu das aparências, desvendar a mitologia dos fatos. Descer do pedestal e lamber o chão das derrotas. Ser duro e evitar o encontro, antes de perder sangue. O inferno são os outros. Ele tinha razão. 

 A solidão deixou de ser uma contingência, virou uma escolha. E, conforme eu insistia, a dor de estar ali despido, rachado, traído, distante, só, fez o mal-estar diminuir . Ficou mais confortável. Não foi mérito, não. Foi puro desespero. 

 Contudo, há o preço de estar sozinho. Não assusta, mas provoca desconforto social: uma dor de viés que vem dos outros. 

 O mundo parece uma festa vulgar ao arrepio da lei. Todos parecem estar se divertindo. Todos parecem um destroyer num desfile náutico. Eu vou me virando com meu bergantim. 

Se há algo capaz de irritar é quando todos assobiam, felizes, por cumprir o dever de casa. Pra gente lá fora, é uma festa de corpos e falas. Pra mim, é uma maldição. 

Fiquei trancado dentro de casa, em segredo. Nem isso eu contei. 

 Não quero dar a impressão de que dominei a arte da retirada. Não é isso. Continua sendo tão enigmático quanto era antes, quando eu tinha nove anos de idade e fugia do colégio, assustado, e ficava na esquina olhando a parede, coletando as cinzas. Hoje só entendo melhor. 

 Há 2 anos, voltei a arriscar pequenas incursões ao continente. Expedições de reconhecimento a uma terra desconhecida. Mas o barulho e a brutalidade continuavam. Pareciam ter piorado. 

 No entanto é preciso prosseguir, antes que venham as sombras. Não sei ser amigável. Posso, no entanto, gritar tão alto quanto os demais. Não tem sido necessário. 

 Eu preciso distinguir se o que vejo é árvore ou miragem; se a dor é palpável ou ilusória. Substância demais, pra tão pouco sonho... 

 Manoel Olavo

AS COISAS


As coisas que eu vou dizer 
Irão voltar, não importa. 
Como um antigo querer 
De passagem, bate à porta. 

As coisas faladas por mim 
São como espelhos: quebráveis. 
Esboços antes do fim, 
Começos intermináveis. 

As coisas que eu vou dizer 
Noves fora o seu sufoco
Me ajudam a percorrer 
O caminho onde me movo. 

As coisas que eu vou falar
Anunciam tanto drama 
Que conseguem disfarçar
A dor que dentro derrama. 

 As coisas ditas assim 
Palavras perdendo a brasa 
Silenciaram por fim 
Memórias rondando a casa. 

 Manoel Olavo

VENTO ELÍSIO

Lento e minucioso meu sopro caminha Por seu corpo nu pele branca à mostra. Eu, Elísio, vento soprando na fresta Inspeciono cada ponto oculto...