15 de setembro de 2021

NÃO

 



Não.

Não me diga que irá passar

E tudo voltará ao seu lugar.


Tem sido justamente este

O problema do meu país:

As coisas continuarem em seu lugar.


Os criminosos não são julgados

Os mentirosos não são desmascarados

Os miseráveis não são saciados de sua fome

De pão e conhecimento. 


Continuamos funcionando

Como uma enorme arapuca

De desigualdade, destruição e privilégio.


Não.

Não me faça acreditar

Que somos o país do entendimento 

Porque o chão está encharcado 

Do sangue de gerações passadas.


Nossos pacificadores foram genocidas.

Nossos desbravadores foram assassinos

De povos e de culturas, escravizadores

E traficantes de negros d'África.


A nossa elite ainda tem a mesma empáfia 

Do sinhô que, de noite, sorrateiramente, 

Ia até a senzala para estuprar a negrinha recém-comprada.


Não. 

Não me fale de honestidade,  de corrupção. 

Estas palavras tem sido desvirtuadas 

Para alimentar o sentimento antipovo e a despolitização da classe média 

(Que se acha branca, honrada e superior).


Ela que, como os capitães do mato de antigamente,

Sonha algum dia tomar café na varanda do casarão do Coronel.


Não. 

Não me fale mais de acordos e concessões.

O país está cansado. 

O país está destruído.

Uma praga tenebrosa

Se apoderou de nós

Em nome de Deus, Pátria e Família

E devastou florestas

Queimou animais 

Matou 600 mil pessoas

Destruiu a ciência, a universidade,  a cultura, 

Deixou milhões de pessoas sem trabalho e sem ter o que comer

E encheu de ódio a alma ressentida 

De milhões de brasileiros. 


Não. 

Há um limite para tudo

E ele foi atingido

No dia em que escolheram

Um deputado miliciano 

Para Presidente da República.


Alguém que dedicou seu voto

No golpe parlamentar de 2016

A Carlos Alberto Brilhante Ustra,

Chefe do DOI-CODI paulista,

Talvez o mais sádico torturador 

Da ditadura militar. 


No dia de seu voto infame,

Este homem não foi punido,

Muitos até o admiraram, 

Para que tudo continuasse em seu lugar.


O golpe se consumou

E depois ele foi eleito presidente da República 

Com o voto de pessoas que achavam

Que ele era honesto

Que no tempo da ditadura havia

Ordem e segurança

E que, finalmente, 

Tudo voltaria ao seu lugar.


Não. 

Não há mais tempo para transigir.

Não é mais possível perdoar.

Não é mais possível esquecer.

Que a rapina deixe de ser a regra

E a miséria da maioria deixe de ser

Uma condição natural. 


Decididamente 

É preciso que se quebrem as correntes 

Para que tudo saia de lugar.


E, do esgoto imundo da conciliação, 

Da expiação de um falso mito assassino, 

Surja afinal uma Nação. 


Manoel Olavo

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