I
Tarde demais
Eu lhe disse:
Não te amo
Não te quero mais!
Vou partir em meio à multidão
desconsolada
Na estreita e vaga luz que me constrange os órgãos
Eu pedirei reforços
Queimarei meus pés em betume e versos brancos
O prédio
O mar azul
Seu sorriso nunca antes adiado
Fatiarei as nuvens
Fritarei em óleo
Sua carne tenra
Convidarei velhos amigos
O olho estreito a rua lotada
A multidão à nossa volta
Gente revirando os restos
A face noturna do real
Sempre pedindo mais
II
Ainda penso em você
No calor desta calçada antiga
O dia passa
Vem o ocaso do desejo
Traz mais uma vez
Memórias sem notícia
A noite vela
O corpo dela tão inocentemente
Um vidro fumê na alma
Os segredos
Em momentânea suspensão
Ah eu poderia ver
Como se fosse
A primeira vez
O que me importa
Poderia ver
Em lâminas
O acontecido
A hora impossível
O eclipse lunar
Tão logo o sinal
De novo se fechasse
A multidão
Se detivesse
Tão logo a lua
Com cores indistintas
Acelerasse a melodia
A trilha fugaz aonde caminho
Tão logo despertasse
A besta-fera
Que há em nós
III
Vestígios:
Agora tudo deu errado
Agora
Inês é morta
E a manhã segue como um féretro
Eu me calo
À beira da velha calçada
Tento achar
a solução do enigma
a resposta
Tarde demais
Ela me deixa
O verbo encarnado
A face sem contorno
Assim como veio
Parte
Silêncio comum
De retas paralelas
IV
Entreaberto o peito
Restam as lágrimas
E outros fluidos corporais
Súbita estiagem
Na alma em chamas
Breve será reconstrução
V
Liberto das coisas
De sua constante antevisão
Desço ao fundo de mim
E me lembro
Da medida avessa e crua
Porém minha
Do pintor das ruas
Do eleito dos ares
Do bravo lutador
Um romance cheio de alegorias
Desço ao fundo de mim
E me contemplo
Me revejo largo
desfile
Há pele suor corpo pelos
Escotilhas que se fecham
Há uma medida avessa
e crua
Porém minha
Nascida de turbulentas fundações
Matéria agridoce
Delírio verbal
Agonia
Sei disso como sei dos
Passos de uma pequena teodicéia
Que faz um novo acordo
E segue à beira do infinito
Manoel Olavo
27 de novembro de 2010
TUDO O QUE EU QUIS DIZER
Tudo o que eu quis dizer
Pode ser sonho pois essa
Dor no peito mesmo assim
Eu sigo dividido entre
Palavras ouço frases
Caminho por dizeres
Sem presságio a luz
Do sol irrompe pela fresta
Me decompõe me multiplica
Em silêncio
É inútil ficar
A sós
Manoel Olavo
23 de novembro de 2010
ESTAVAS AQUI
Vi em teu olhar
O mesmo brilho.
Faísca, fato adiado.
Fagulha do amor
Suspenso no céu
À espera de nós.
Chamar-te, agora,
Amor!, enfim dá nome
Às coisas. Faz-te real,
Não mais fugaz nem
Adiada. Pois eu te sabia:
Moravas em mim, saber
Secreto, recôndito desvão
Na alma. Estavas sobre
A cama solta, nas entranhas
Da dor, no tempo que
Passava te esperando.
Eras andar de sonho,
Presença conhecida,
Sopro de luz e palavras.
Estavas aqui, Amor.
Éramos um. Espelhos.
Manoel Olavo
ILHA
Tivéssemos
Chegado
À ilha
Que se
Afasta
Veríamos
A face
Da palavra
Na folha
De papel
Lugar onde os
Mitos estão
De pé
Num chão
Das letras
Manoel Olavo
13 de novembro de 2010
NEM QUE ME MANDASSEM
Nem que me mandassem pra longe dali, pra depois da curva dessa rua, pra depois do rabo da Quinta Avenida, aonde o asfalto termina, e é só lixo e sangue e tosse e gente rodeada de lama, nem que me mandassem pra depois do limite do mundo, pro fim da linha, pro outro lado da fronteira das eras e, no entanto, é ali do lado;
Nem que eu fosse até ali, até o alto do morro espetado de antenas, de casebres, na penumbra da viela mal-iluminada, e desse as costas à rua que, bem ou mal, eu já conheço, e faço questão que esteja comigo, pois meu coração só vai até os confins do bairro, só vai até onde está o reflexo, o eco, o eito, passou dali é tudo maldição, é senda, é outro território, passou dali o trem desanda sobre os trilhos, se enche de gente que não foi convidada;
Nem que me mandassem pra depois da estação aonde eu desço, nem que me mandassem pra depois da piscina, do banquete de restos, pro lado de lá dos quintos dos infernos, eu juro que não ia, ah não ia , eu fugia, pois, passou dali, é tudo gente má, chinfrim, cheirada, possuída, gente matando por cigarro, gente tirando o rim das criancinhas, roubando bebês no shopping, bolinando filhos, gente vil, x-9;
Nem que eu me embrenhasse na floresta, voltasse pro meio do mato, quando éramos bons, colhíamos frutos e raízes, voávamos como aves e vivíamos embriagados de bálsamo, malgrado algum canibalismo e o gosto do moquém dos vencidos, mas antes tivéssemos continuado assim, contentes com tudo, autênticos, invioláveis, unidos num tempo anterior à deflagração, anterior ao fim da rua, antes de bater toco por aí, sem mapa nem território.
Manoel Olavo
GUARDIÃO
Sou guardião
Dos versos que cintilas.
Recolho-os nas mãos
E no pensamento.
Sou náufrago
Cruzando o caos.
Ulisses sem Ítaca.
E tu, amada
Ao derramar cristais de sonho
És a ilha prometida.
És musa-aedo
Nereida em mar sombrio
Ninfa Epimélide.
Ao Rochedo do Sono
Peço que conceda
Voragem de amor
E vida, embora
A dor e o tempo.
Só há, bem sei, Helena
- És a mais bonita -
E olhos assombrados
Piscam se tu passas.
Quando tudo terminar
Ao fim da Teogonia
Ainda te guardo e velo
No rastro de galáxias extintas.
Manoel Olavo
Dos versos que cintilas.
Recolho-os nas mãos
E no pensamento.
Sou náufrago
Cruzando o caos.
Ulisses sem Ítaca.
E tu, amada
Ao derramar cristais de sonho
És a ilha prometida.
És musa-aedo
Nereida em mar sombrio
Ninfa Epimélide.
Ao Rochedo do Sono
Peço que conceda
Voragem de amor
E vida, embora
A dor e o tempo.
Só há, bem sei, Helena
- És a mais bonita -
E olhos assombrados
Piscam se tu passas.
Quando tudo terminar
Ao fim da Teogonia
Ainda te guardo e velo
No rastro de galáxias extintas.
Manoel Olavo
6 de novembro de 2010
FOME
Fome: fome de ver a forma bronzeada
Fruí-la redonda, virginal ou seminua
Na maciez dos altos e baixos exibidos.
Nem fartura nem aridez: eis teu apogeu.
Fome: fome de ver a forma eviscerada
Rasgar o manto que recobre as aparências
Pois o olhar, na avidez das visões extintas,
Quer devorar o cerne-luz da matéria exausta.
Fome: sílfide, vestal ou deusa, és a vinha.
A baga nua guarda o sumo, ateia o fogo.
Teu volume-cor dissipa-se na retina
Desfeito em véus de luz e de prazer suposto.
Fome: a que ousa chegar sem aquiescência.
Dado bruto, febril, de consumo imediato.
Dos fascínios coletivos, o mais premente.
Antiasceta por excelência – ou maldição?
Manoel Olavo
Fruí-la redonda, virginal ou seminua
Na maciez dos altos e baixos exibidos.
Nem fartura nem aridez: eis teu apogeu.
Fome: fome de ver a forma eviscerada
Rasgar o manto que recobre as aparências
Pois o olhar, na avidez das visões extintas,
Quer devorar o cerne-luz da matéria exausta.
Fome: sílfide, vestal ou deusa, és a vinha.
A baga nua guarda o sumo, ateia o fogo.
Teu volume-cor dissipa-se na retina
Desfeito em véus de luz e de prazer suposto.
Fome: a que ousa chegar sem aquiescência.
Dado bruto, febril, de consumo imediato.
Dos fascínios coletivos, o mais premente.
Antiasceta por excelência – ou maldição?
Manoel Olavo
3 de novembro de 2010
AMO-TE PASTORA
Amo-te pastora
E neste enigma
Eu te desejo minha
Amo-te colossal
E tudo quanto há
Vem ao teu encontro
Pastora:
A face oculta
O lado avesso
Olhar que me espalha
Entre os espelhos
Sabia-te mais do que sonhara
Sabia-te mais do que pedira
Medida voraz de mil incêndios
Amo-te assim um amor maduro
Sem erros desnudo
E querendo-te demais te levo
Por dias de voar ao rés do sonho
Manoel Olavo
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