Jamais ele tocou
Mas bem conhece
O balcão das cinzas
A voragem das horas
O ouro em pó
Os fenômenos naturais desenfreados
As esculturas imóveis
O prumo que vai e volta
A poeira cobrindo os corpos petrificados
Ameias e colunas guardam a rua
Protegem os passos lentos
Dos arroubos juvenis durante a caminhada
Caem flechas parecendo gotas
A cabeça no cepo
O elmo o carrasco
No entanto
Ele se move
Por trás de tudo
O caminho
(Ritmo único)
Ubíquo signo
Que ele não imaginava
E sequer tocou
Jamais tocou
Mas bem conhece
Logo
Abaixo
Ela pende
E reverbera
Ela: a intocada
Manoel Olavo
31 de julho de 2010
25 de julho de 2010
PAISAGENS
São paisagens diante
Dos meus olhos
Paisagens móveis
Enquanto os sinos tocam
Paris Genebra
Meca Bogotá
Vida noturna
Num boulevard distante
E as pedras
Passam civilizações
Estátuas desossadas
O êxtase do sábio
Descobrindo a fórmula
O alfarrábio a seta
O glossário dos mitos
O lento caminhar
Por ruas de sal e vício
O sacrifício das virgens
Pilhas de corpos
Dizimados pela peste
A morte
Sempre faminta
Seu rugido surdo
A tudo sobreposto
Meu corpo frágil e nu
Estuário de maldições
Rolando entre as bestas
Que destroem monumentos
Meu corpo frágil e nu
Junto do seu
Ao arrepio da lei
E do tempo
Manoel Olavo
SILÊNCIO
Aprendiz do ensinamento
Ser um felino
Evitando brigas
O corpo não age
A voz se cala
Tudo ao redor
Se anula
Tudo fica alheio
No espelho transparente
Despir-se é mais
Do que se libertar
É ser fora de si
É vibrar no silêncio
Não importa onde te escondas:
Continuo te buscando
Manoel Olavo
24 de julho de 2010
AMORAS E GAIVOTAS
Poderia meu amor
Me livrar da morte.
Me aproximar
Da claridade.
Meu amor
Não vai passar.
Move-se.
Vai brotar em
Amoras e gaivotas.
Meu amor é sonho?
Desperto e
Sem você
Sou um lúcido nada.
Manoel Olavo
O QUE IMPORTA
De que vale o silêncio
A leveza o segredo
Se o que me importa
É ver-te?
Amada senhora
Fugidia sombra
Vênus do porão
Das letras
Hei de encontrar-te
Um dia a sós
Onde a terra acaba
E o amor começa
Manoel Olavo
22 de julho de 2010
20 de julho de 2010
ORFEU
Cansado de dormir e de acordar
Pensando-te, meu jugo e aspereza
Palpar a superfície da ferida
Colada entre a garganta e o sentimento
Criaste para mim a incerteza
Nos seios de marfim da escultura
Ornada em mil recônditos negrumes
Num verso similar ao que não trouxe
Um novo céu, um mar de fogo, a rosa
Que verso há de cantar o que perdemos?
Não pude te tocar, amor, não pude
Não pude ser nem pássaro nem pluma
Não pude ser nem sândalo nem chuva
Por que sopras assim, ó brisa ambígua?
Acostumada estás a fortaleza
A refletir a sós entre os pinheiros
A combater mastins sobre as escarpas
A ler no corredor no fim do dia
Difusas folhas brancas que tracejam
Escritas formas vagas de desejo
E modos de não-ser somente minha
Tu és embriaguez sobre meu dorso
Vinhedo em estação de sol e sombra
Cintila em mim a alma desdobrada
Um anjo há de pairar sobre a calçada
Saudade é despertar vendo-te morta
Se não fosse perder a protegida
Se não guardasse Orfeu a antiga forma
Perdíamos de vez a ave e a lira
Sonhar, mais que viver - eis o que somos
Manoel Olavo
11 de julho de 2010
AVE
Alta vai
No céu a ave.
Passa sobre mim
Por planícies de vento.
Estou só.
Meu lar e claustro
Encerra a seu modo
A lua incoerente.
Tempo, brisa,
Eternidade:
Nada disso está
Em mim ou no meu sonho.
Ou está?
Será que gira
Numa espiral
Movida de mistérios?
Ou flutua
Além de nós,
Além do último
Limite da razão?
Manoel Olavo
1 de julho de 2010
QUANDO CHEGAR A HORA
Passarei. Passará o que vier:
O dia, a face, o amor sonhado, o filho
Nada vai deter o corte da navalha
Nada vai fluir no leito deserto
Do regato, na paisagem que mata
Memórias, brotando metáforas.
Mas, porque nasci entre homens, hei
De dar espaço, arauto, à palavra
Encantada, ao corpo novo, à ode
Atada a vida – volúpia de tê-la
Quando chegar a hora e eu for nada
Manoel Olavo
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