30 de julho de 2014
DORME AMADA
Dorme, amada
É cedo ainda
Seus olhos devem repousar
Meus olhos semicerrados vêem
A luz se derramando na sua pele
Dorme, amada
Pois zombamos
De que algo nos desfaça
Pensos no céu
Aves azuis, nós dois
(um único ser
indiviso e ímpar)
Rodamos e seguimos juntos
Dentro da manhã que rompe a treva
Manoel Olavo
22 de julho de 2014
NUM DIA DE OUTONO
Todos os dias de outono parecem iguais
Com seu friozinho agradável, árvores despidas e um céu azul de poucas nuvens
Todas as noites de outono parecem iguais
Com suas chuvas passageiras e o silêncio da escuridão profunda
Nos dias claros de outono a cidade fica enfeitada de folhas mortas
E a limpeza urbana deixa muito a desejar
Nos dias tristes de outono a natureza continua o seu intento
E eu me sinto igual à circundante natureza morta
Nos dias turvos de outono a duração das coisas é lenta
Bem mais do que parece possível suportar
Parecem ensaiar um novo começo de tudo
Num dia de outono, seco e claro, igual a tantos outros,
Eu pude enfim me libertar do sufoco de um amor que não existia
Manoel Olavo
20 de julho de 2014
19 de julho de 2014
RITUAL
Todo dia se encontram.
São como colegiais
Treinando ritos secretos.
Dentro da sala procuram
Seus reflexos no espelho.
Não se vê cor nem ideia.
Pálidas faces sem dor
No assombro da plateia.
Sobreviventes orbitam
Seu vazio em desespero.
Eu os deixo sem pesar.
(Antes solidão que nada)
Parto atrás da estrela tíbia
Da que imergiu lá no céu
No ar, leve, além de mim
Sem luz, porém cintilando.
Manoel Olavo
São como colegiais
Treinando ritos secretos.
Dentro da sala procuram
Seus reflexos no espelho.
Não se vê cor nem ideia.
Pálidas faces sem dor
No assombro da plateia.
Sobreviventes orbitam
Seu vazio em desespero.
Eu os deixo sem pesar.
(Antes solidão que nada)
Parto atrás da estrela tíbia
Da que imergiu lá no céu
No ar, leve, além de mim
Sem luz, porém cintilando.
Manoel Olavo
PAPÉIS
Junto folhas esparsas sobre a mesa e nelas estão rabiscos, versos incompletos, jogos de palavras. Alguns são belos, outros incompreensíveis. Outros apenas sugerem. São pedidos de amor numa língua desconhecida. Parecem descosidos, uma alma em pedaços tentando se agrupar. Reúno os papéis num só maço, alinho-os e penso que cada um deles, isoladamente, é uma parte não rimada de mim. Insisto na harmonia. Maltratado pelo tempo, algo em mim espera e quer acreditar. A cada dia, aparece algum lugar inabitado, algum sentimento inaudito, e esta esperança pode se mostrar menos irracional. Muitas vezes, são meses sem sequer olhar para o céu. Porém, a cada nova impressão de luz desvelada, é como se me voltasse o mar pela primeira vez. Como se eu pudesse erguer castelos indestrutíveis na areia. Hoje sei que a vida é fugaz e, cerimoniosamente, conto os meus mortos. Também sou feito deles. Não os lamento. Não os choro. Resisto. Sou feito daquilo que me funda e também do que me finda.
Manoel Olavo
16 de julho de 2014
OUTRA DIMENSÃO
É a antiga casa, intacta,
Longe deste gigantesco mar de prédios.
Eu abro sem pensar o portão de ferro,
Rangendo o passado, atravesso
O jardim cheio de sombras,
Cercado por paredes descascadas.
Lentamente, vou para o outro lado
E subo pela escada ao primeiro andar.
Vejo o meu antigo quarto:
A nau do medo no fim do corredor.
A cabeceira, a cama,
Os papéis amontoados,
O mormaço entrando pela janela,
O ar que não toca as coisas humanas
E tudo é azul e branco e ouro
E infinitas sombras arredias.
(Não é a mesma dimensão
Onde o perdigueiro brincava comigo)
Há um precipício ali, mas eu não sabia.
Há uma grande dor, nem tão mortal
Quanto a que virá mais tarde;
E o peso da sua mão impiedosa.
Um dia eu quis ser de pedra
E me esconder da vida.
Conhecendo o enredo até o final,
O olho da cena antevê o seu martírio.
E quanto a mim: sobreviverei
A tamanho cataclismo?
Na velha casa de tijolos sombrios,
Como posso me abrigar dos seus destroços?
Manoel Olavo
Longe deste gigantesco mar de prédios.
Eu abro sem pensar o portão de ferro,
Rangendo o passado, atravesso
O jardim cheio de sombras,
Cercado por paredes descascadas.
Lentamente, vou para o outro lado
E subo pela escada ao primeiro andar.
Vejo o meu antigo quarto:
A nau do medo no fim do corredor.
A cabeceira, a cama,
Os papéis amontoados,
O mormaço entrando pela janela,
O ar que não toca as coisas humanas
E tudo é azul e branco e ouro
E infinitas sombras arredias.
(Não é a mesma dimensão
Onde o perdigueiro brincava comigo)
Há um precipício ali, mas eu não sabia.
Há uma grande dor, nem tão mortal
Quanto a que virá mais tarde;
E o peso da sua mão impiedosa.
Um dia eu quis ser de pedra
E me esconder da vida.
Conhecendo o enredo até o final,
O olho da cena antevê o seu martírio.
E quanto a mim: sobreviverei
A tamanho cataclismo?
Na velha casa de tijolos sombrios,
Como posso me abrigar dos seus destroços?
Manoel Olavo
11 de julho de 2014
MEMÓRIA
Pra cada ídolo morto
Pra cada rei deposto
Pra cada amor perdido
Surge um vento na
Forma de palavra
Porém
Na fria iluminura
Da memória escrita
É impossível contar
Aquilo que aconteceu
Manoel Olavo
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