31 de maio de 2013
CALOR
Como transformar lava em pedra? É preciso tempo para que o calor dissipe. É natural que seja assim. O processo pode durar centenas de anos. Assim acontece na natureza. Mas não tenho tempo para isso. Minha combustão é imediata. Cada ação me cerca com um tornado de fogo. Só resta a incandescência de emoções desencontradas. Aprendi que o calor tem efeito contagiante. Emoções em fogo alimentam-se uma das outras, atraem labaredas parecidas. Um incêndio de grandes proporções. Minhas opções são limitadas. Ficar calado. Fingir que ignoro. Ou queimar no jorro de emoções a milhares de graus. Sorrir, enquanto viro cinzas. Por instantes, eu abomino a vida e sinto a nostalgia de um estado mineral.
Manoel Olavo
29 de maio de 2013
26 de maio de 2013
HELENA
Sou guardião
Dos versos que cintilas.
Recolho-os nas mãos
E no meu pensamento.
Sou náufrago
Cruzando o caos.
Ulisses sem Ítaca.
E tu
Ao derramar cristais de sonho
És minha ilha prometida.
És a musa-aedo
Nereida em mar sombrio
Ninfa Epimélide.
Ao Rochedo do Sono
Eu peço que conceda
Promessa de amor
E a vida, apesar
Da dor e o tempo.
Só há, bem sei, Helena
E és a mais bonita...
Os olhos assombrados
Piscam se tu passas.
Quando tudo terminar
No fim da Teogonia
Ainda te guardarei
No rastro das galáxias extintas.
Manoel Olavo
21 de maio de 2013
LIBERDADE
A cada dia fica evidente
Que o afastamento foi uma medida necessária,
Capaz de trazer ordem à loucura que nos devorava,
Grudada em nossos pés, em nossos corações,
Em nossa voz,
Sem nos deixar viver em paz,
Nem a sós.
Mas só a distância permite tal frieza analítica.
Hoje as cores dos lençóis estão esvanecendo
E cada movimento que faço
Parece me livrar da sua angústia castradora.
Porém, ainda sinto falta da sua presença
Sussurrando os meus pensamentos de volta
E apontando, caso a caso, a minha incompetência
Diante do cotidiano.
É lento o exercício da volta à liberdade.
Talvez seja impossível.
Manoel Olavo
19 de maio de 2013
FÁBULA
Enquanto existir a falha
Que se transforme em fábula
Enquanto existir a trilha
Que se desenhe um mapa
Enquanto vier o emissário
Haja rumor nas coisas despertadas
Rumor das coisas, todas elas
Sussurrando entre fachadas
Chão da ilha cheio de ossadas
Som de palavra inconfessada
Um elo oculto une os elementos
Arruma-os em torno da armada
A memória em pé, a glória amputada
Desconhecida ilha, espuma, vaga
Navegar no curso que segue
O farol apagado na margem oposta
Gelado mar parte a galope
Na crina dos reflexos de prata
A mitologia dos sinais, o cetro
A sina, a nau que se destaca
Nas sendas do território
O mesmo mar liberta e mata
Transitam matéria e tempo
No cais lotado de palavras
Fala-me do mar, do rigor da fala
Evocada, dá-me um pouco de ar
Habita a palavra reduzida, densa
Face contra face, lata torcendo lata
A chama, o ar, o ritmo sem fala
O nome sórdido, o grito dentro d´água
A palavra advinda, contradita
Talhada à faca até ser nada
Além daqui é o risco que separa
Édipo da Esfinge, ou de Jocasta
Manoel Olavo
DIANTE DO DIA
Posso estender o prazo?
Posso apressar o passo?
Tento viver sossegado
Mas tudo fica congelado.
Daqui a pouco, outro sonho
Se desfaz num estilhaço.
Manoel Olavo
Posso apressar o passo?
Tento viver sossegado
Mas tudo fica congelado.
Daqui a pouco, outro sonho
Se desfaz num estilhaço.
Manoel Olavo
17 de maio de 2013
REGOZIJO DE ORFEU
Tão fácil ser desigual
Tão fácil ficar ao léu
Tão difícil ter na voz
O regozijo de Orfeu
Ao ressuscitar Eurídice
Das trevas do Aidoneu
A lira leva o jogral
Do abismo até o céu
Para que possa criar
No voo que percorreu
Algo novo e belo, um verso
Indiscutivelmente meu.
Manoel Olavo
ORFEU
Cansado de dormir e de acordar
Sonhando-te, meu jugo e aspereza
Palpar a superfície da ferida
Colada entre a garganta e o sentimento
Criaste para mim a incerteza
Nos seios de marfim da escultura
Ornada em mil recônditos negrumes
Num verso similar ao que não trouxe
Um novo céu, um mar de incêndio, a lua
Que verso há de cantar o que perdemos?
Não pude te tocar, amor, não pude
Não pude ser nem pássaro nem pluma
Não pude ser nem sândalo nem chuva
Por que sopras assim, ó brisa ambígua?
Acostumada estás a fortaleza
A refletir a sós entre os pinheiros
A combater mastins sobre as escarpas
A ler no corredor no fim do dia
Difusas folhas brancas que tracejam
Escritas formas vagas de desejo
E modos de não ser somente minha
Tu és embriaguez sobre meu dorso
Vinhedo na estação de sol e sombra
Cintila em mim a alma desdobrada
Um anjo há de pairar sobre a calçada
Saudade é despertar vendo-te morta
Se não fosse perder a protegida
Se não guardasse Orfeu a antiga forma
Perdíamos de vez a voz e a lira
Sonhar, mais que viver - eis o que somos
Manoel Olavo
10 de maio de 2013
PINTURA RUPESTRE
Meus olhos tateiam
a figura
Pintada na
parede de pedra,
A primeira imagem pintada,
Na luz
bruxuleante de uma
Caverna
oculta. O antílope,
O bisão, o cavalo,
o contorno
Da mão, a
Vênus de Willendorf.
Meu olhos exploram o começo
De tudo, a
raiz do mistério,
Quando os
homens fizeram
Falar um mundo
que lhes
Intimidava
com o seu silêncio.
Manoel Olavo
3 de maio de 2013
SILÊNCIO
Não há mapa. No entanto, em tudo
Estava à procura de um lar,
A lembrança da primeira casa.
Apolo em seu carro
Queria a vertigem do ser, o céu de asa
Flamejante, o sol, a porta sem aldrava.
Sonhava união, mas nada veio.
Luz excessiva na manhã.
Voo cego. Cristal partido.
Ouça-me: se existe um lar
Ele não está nas coisas.
Impossível romper o véu
Que separa os seres.
Não é conceito
Nem condenação:
É apenas silêncio.
Manoel Olavo
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