Não.
Não me diga que irá passar
E tudo voltará ao seu lugar.
Tem sido justamente este
O problema do meu país:
As coisas continuarem em seu lugar.
Os criminosos não são julgados
Os mentirosos não são desmascarados
Os miseráveis não são saciados de sua fome
De pão e conhecimento.
Continuamos funcionando
Como uma enorme arapuca
De desigualdade, destruição e privilégio.
Não.
Não me faça acreditar
Que somos o país do entendimento
Porque o chão está encharcado
Do sangue de gerações passadas.
Nossos pacificadores foram genocidas.
Nossos desbravadores foram assassinos
De povos e de culturas, escravizadores
E traficantes de negros d'África.
A nossa elite ainda tem a mesma empáfia
Do sinhô que, de noite, sorrateiramente,
Ia até a senzala para estuprar a negrinha recém-comprada.
Não.
Não me fale de honestidade, de corrupção.
Estas palavras tem sido desvirtuadas
Para alimentar o sentimento antipovo e a despolitização da classe média
(Que se acha branca, honrada e superior).
Ela que, como os capitães do mato de antigamente,
Sonha algum dia tomar café na varanda do casarão do Coronel.
Não.
Não me fale mais de acordos e concessões.
O país está cansado.
O país está destruído.
Uma praga tenebrosa
Se apoderou de nós
Em nome de Deus, Pátria e Família
E devastou florestas
Queimou animais
Matou 600 mil pessoas
Destruiu a ciência, a universidade, a cultura,
Deixou milhões de pessoas sem trabalho e sem ter o que comer
E encheu de ódio a alma ressentida
De milhões de brasileiros.
Não.
Há um limite para tudo
E ele foi atingido
No dia em que escolheram
Um deputado miliciano
Para Presidente da República.
Alguém que dedicou seu voto
No golpe parlamentar de 2016
A Carlos Alberto Brilhante Ustra,
Chefe do DOI-CODI paulista,
Talvez o mais sádico torturador
Da ditadura militar.
No dia de seu voto infame,
Este homem não foi punido,
Muitos até o admiraram,
Para que tudo continuasse em seu lugar.
O golpe se consumou
E depois ele foi eleito presidente da República
Com o voto de pessoas que achavam
Que ele era honesto
Que no tempo da ditadura havia
Ordem e segurança
E que, finalmente,
Tudo voltaria ao seu lugar.
Não.
Não há mais tempo para transigir.
Não é mais possível perdoar.
Não é mais possível esquecer.
Que a rapina deixe de ser a regra
E a miséria da maioria deixe de ser
Uma condição natural.
Decididamente
É preciso que se quebrem as correntes
Para que tudo saia de lugar.
E, do esgoto imundo da conciliação,
Da expiação de um falso mito assassino,
Surja afinal uma Nação.
Manoel Olavo