Ninguém
lhe preparou para o inapreensível silêncio que se seguiu após o delicado
arranjo de pedras de cristal se despedaçar num estalo só, num ruído ruim, espalhando lâminas e cacos gelados para todo
lado, num extenso raio em torno do quarto, ao redor da casa, ferindo transeuntes e casais que passeavam
despreocupadamente. Ninguém lhe preparou para o estardalhaço do
cristal partido, para o gemido mudo, para o despenhadeiro que se abriria.
Ninguém lhe falou das consequências mórbidas de tamanho estalo para a geografia
local. Nas horas seguintes, nenhum soluço
de dor, nenhuma palavra de solidariedade foi pronunciada. As migalhas de amor nas
lascas de cristal, atônitas e descompassadas, flutuaram como borboletas
morrendo aos poucos no vácuo interestelar. Há de se ter um nome para esta
sangria mineral fria e desatada. Talvez a ciência transforme tudo num fenômeno
geológico de cálculo previsível e razoável. Mas é preciso cuidado. Muito cuidado para não se ferir. Indiferente
a tudo, o silêncio reverbera os cacos do caos e celebra seu apogeu. Enquanto ela se despe, enquanto os sonhos
vagam, enquanto os planos surgem e a trilha sonora se eleva, o silêncio espreita, e celebra a vida e suas
novas vítimas.
Manoel Olavo